Uma volta na engenharia do DeLorean de “De Volta para o Futuro”

Brasília, 23 de abril de 2025.

O engenheiro John DeLorean fundou sua companhia de carros em 1975, na capital dos carros naquele tempo: Detroit. Dois anos antes, ele tinha feito sucesso com o Pontiac GTO, na GM. Com a fábrica levada para a Irlanda do Norte, um ano depois começou a produção do DMC DeLorean, um modelo esportivo e “futurista”, com aquelas portas “aladas” que ainda fazem a alegria dos colecionadores dos carrinhos de ferro. Era 1981. Três mil carros vendidos depois, a empreitada acabou se configurando um dos maiores fracassos da indústria automobilística. Ao menos se você não chegou até 1985.

Doc Brown (Christopher LLoyd) e Marty McFly (Michael J. Fox) nos primeiros momentos das aventuras de "De Volta para o Futuro": 40 anos depois, carro com propulsão nuclear ainda pertence ao universo a ficção-científica Foto: Divulgação
Doc Brown (Christopher LLoyd) e Marty McFly (Michael J. Fox) nos primeiros momentos das aventuras de "De Volta para o Futuro": 40 anos depois, carro com propulsão nuclear ainda pertence ao universo a ficção-científica Foto: Divulgação



Nesse ano, o modelo foi escolhido pela Fox Twenty Century e pelo cineasta Robert Zemeckis para materializar uma máquina do tempo, bem modificada, por um engenheiro “maluco”, o Dr. Doc (Emmett) Brown (Chistopher Lloyd), que acabaria sendo pilotada por um certo Marty McFly (Michael J. Fox, no maior papel de sua carreira) e que se tornaria uma das séries mais bem-sucedidas do cinema. Movido a plutônio, o “DeLoren” faria parte ainda das continuações “De Volta para o Futuro II e III”, lançadas em 1989 e 1990. 

A história volta ao passado quando McFly acaba descobrindo, por acaso, a invenção do seu amigo cientista. Ele pisou no acelerador do carro para escapar dos terroristas que haviam ido se vingar de Doc por ter-lhes roubado seu combustível nuclear.  Assim, ele é transportado para 1955, antes mesmo de nascer, mas na mesma cidade onde ainda vivia com seus pais no “presente”. A aventura busca trazê-lo de volta, sem comprometer a sua própria história e a da pequena comunidade de Hill Valey. A mesma onde se passaram as continuações: em 2015 e 1885, respectivamente. 

Engenharias Elétrica, Mecânica e Química de cinema 
O carro de John DeLorean ainda pode ser visto em algumas cidades do mundo. Mas não voltou a ser fabricado, apesar de a empresa ter continuado sua saga por mais alguns anos. Antes de fenecer à globalização e a outras mudanças de um certo Senhor Tempo, essa entidade que só costuma voltar na ficção e nas armadilhas dos políticos. Já o filme de Zemeckis continua sendo uma agradável narrativa de ficção-científica.

Ao conversar com os coordenadores nacionais das coordenadorias de câmaras especializadas de Engenharia Elétrica, Engenharia Química e Engenharia Industrial do Sistema Confea/Crea, além da admiração pelo filme, constatamos que a realidade ainda está longe de superar a ficção. “Um carro movido a energia nuclear tá a uns 50-100 anos de acontecer, se é que algum dia vai rolar. E tem bons motivos pra isso!”, lamenta o coordenador nacional das câmaras especializadas de Engenharia Elétrica, eng. eletric. eng. seg. trab. Jader Faria. (Veja mais no texto em anexo).

O DeLorean nuclear: um sonho de cinema, mas um desastre na vida real


Eu sou louco pelo DeLorean de  “De Volta para o Futuro”! Quem não queria um carro com portas de asa de gaivota que viaja no tempo a 88 milhas por hora, usando plutônio pra gerar 1,21 gigawatts pro capacitor de fluxo? É genial no filme, mas, como engenheiro eletricista, vou te contar: um carro movido a energia nuclear tá a uns 50-100 anos de acontecer, se é que algum dia vai rolar. E tem bons motivos pra isso!

 

Representante do Crea-MG, o novo coordenador nacional das câmaras especializadas de Engenhariia Elétrica, Jader Faria, pretende fortalecer a categoria e promover sua participação na produção de políticas públicas para o país
Coordenador Jader Faria: admirador do filme, ele descarta o uso da tecnologia nuclear em veículos

 

Primeiro, o tamanho: reatores nucleares que geram gigawatts, como os de usinas ou submarinos, são enormes e pesam toneladas – não cabem no porta-malas de um DeLorean! Mesmo os reatores menores que tão sendo pesquisados hoje, como os Small Modular Reactors, ainda são gigantes pra um carro. Além disso, transformar energia nuclear em eletricidade num sistema compacto é um desafio que a gente não resolveu, e a segurança é um problemão: radiação, risco de acidentes, superaquecimento e até roubo de plutônio (que pode virar arma nuclear) fariam desse carro uma bomba ambulante. Fora que as leis pra usar material nuclear num veículo seriam um pesadelo burocrático!

 

Na real, o futuro dos carros tá em baterias de alta densidade, supercapacitores e energia renovável, como solar ou hidrogênio. Essas tecnologias são mais seguras e práticas, mesmo que ainda não cheguem aos 1,21 gigawatts do filme. O DeLorean é um ícone incrível de criatividade, mas, como máquina do tempo nuclear, é só um sonho de cinema – e, com tantos riscos, talvez seja melhor que fique assim mesmo!

Eng. eletric. e eng. seg. trab. Jader Faria
Coordenador Nacional das Câmaras Especializadas de Engenharia Elétrica (CCEEE)

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O futuro caminha para combustíveis alternativos, bem distantes da energia nuclear e seus riscos
O futuro caminha para o uso de combustíveis mais seguros, sustentáveis e mais banais, como a energia elétrica, o hidrogênio e a energia solar  Foto: Divulgação

 

Mecânica inverossímil

O carro DeLorean, lembra o coordenador da Coordenaria Nacional de Câmaras Especializadas de Engenharia Industrial, eng. mec. Edilson Marinho,  utiliza gasolina comum para se locomover. No entanto, para realizar sua viagem fictícia no tempo, o mesmo utilizou um combustível nuclear a base de Plutônio para gerar 1,21 GW de energia elétrica. Mais adiante, o Dr. Brown instala um dispositivo denominado 'Mr. Fusion Home Energy Reactor' que converte lixo comum em energia elétrica para alimentar os circuitos de viagem no tempo.

“No que concerne ao uso do plutônio em reator instalado em um carro de passeio do tipo DeLorean DMC-12 de 1981, no ponto de vista da Engenharia Mecânica, o mesmo se demonstra de execução inverossímil, devido ser necessario diversos equipamentos e complexos processos para a geração de energia elétrica com uso do material radioativo. Para titulo de pontuação, podem ser citados alguns equipamentos necessários para a instalação de uma unidade de energia elétrica, sao eles: reator nuclear, gerador de vapor, turbina a vapor, gerador elétrico, infraestrutura de resfriamento, entre outros. O que seria altamente improvável condensar todo um aparato de alta complexidade em um porta malas de um carro de passeio”, pondera.

 

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Engenheiro mecânico Edilson Marinho também descarta a viabilidade da construção de um veículo urbano movido a energia nuclear

 

Assim, para Edilson Marinho, embora a ideia de um carro movido a energia nuclear possa parecer futurista e promissora em termos de autonomia, os riscos associados à radiação, segurança, resíduos nucleares, custo e complexidade “tornam essa tecnologia impraticável e perigosa para aplicações em veículos de uso civil. Os potenciais desastres em caso de acidentes superam em muito qualquer benefício imaginável”, acrescenta em posicionamento compartilhado com o coordenador nacional de câmaras especializadas de Engenhria Química, eng. quim. Luiz Eduardo Caron, na entrevista a seguir.
 


“Existem outras alternativas energéticas mais viáveis e aplicáveis com menores e controláveis riscos”, diz coordenador nacional de câmaras especializadas de Engenharia Química

Confea – Fale dos riscos e das medidas de segurança adotadas para o uso da energia nuclear e da inviabilidade do seu uso em um veículo, de passeio ou não.

Eng. quim. Luiz Eduardo Caron – Tecnicamente, não há restrições para a construção de veículos movidos a energia nuclear, tanto que existem vários: submarinos, porta-aviões, naves espaciais. No momento, as mais famosas são as naves espaciais Voyager 1 e 2, lançadas para explorar os planetas do nosso sistema solar, em 1977, e que continuam vagando pelo espaço, impressionantemente, funcionando e mantendo contato com a Terra, graças a sua fonte de energia nuclear. Nestes 48 anos de exploração encontram-se a 24 bilhões de quilômetros da Terra, mais de incríveis 23 horas/luz, ou seja, a distância que a luz leva para percorrer em um dia a velocidade 300.000 km/s, já fora da zona de interferência do nosso velho amigo sol, o espaço sideral. Os propulsores nucleares que geram energia para ambas as naves se locomoverem a cerca de 160 mil km/h e para o funcionamento de uma parafernália de equipamentos científicos e de comunicação, começaram a esgotar sua energia. O que fará que percamos o contato, porém elas continuarão vagando no espaço, eventualmente colidindo com algum corpo celeste ou sendo encontrada por alguma civilização alienígena. Isto parece ficção científica e faz lembrar o filme “Planeta dos Macacos”, de 1968. Embora tecnicamente seja possível construir veículos terrestres movidos a energia nuclear, os desafios seriam imensos. A começar pelo peso dos propulsores, que exigiriam blindagens extremamente pesadas e resistentes a eventuais impactos. Não é à toa que os veículos, com este tipo de propulsão, são submarinos e porta-aviões, imensos e de uso militar. Com a tecnologia e os materiais disponíveis atualmente, os custos seriam absurdos, na ordem de mais de seis dígitos Além dos riscos de acidentes, contaminação ambiental, dificuldades para o descarte de todo o veículo, quando se tornasse inservível, entre outros problemas. Antes desta alternativa energética, existem outras mais viáveis e aplicáveis com menores e controláveis riscos, com custo-benefício inúmeras vezes menor que a alternativa nuclear. Neste momento, para automóveis, as baterias elétricas são as preferidas, com evolução muito rápida e tendem a dominar grande fração do mercado. O questionamento diz respeito a, se a frota crescer para milhões de carros a baterias, exigirá a construção de usinas elétricas em pouco tempo, além das dificuldades para descarte, quando se tornarem inservíveis. A alternativa painéis solares é viável, mas possui limites de áreas de instalação, a geração de problemas ambientais, que por enquanto são pouco percebidos e questionados. A utilização de hidrogênio é outra fonte energética que deve crescer nas próximas décadas. Combustíveis sintéticos são alternativas a serem consideradas em usos específicos. Podemos dizer que o futuro nos reserva uma multiplicidade de fontes energéticas. Veículos híbridos, multicombustíveis, deverão ser comuns. O que se pode questionar é a disponibilização destas fontes energéticas em grande escala, em inúmeros locais. Hoje, temos a gasolina, como combustível padrão disponível em qualquer lugar do mundo. O Brasil deu grande exemplo de capacidade e possibilidade de discriminação e popularização com o etanol. Aparentemente simples, mas se considerarmos as dimensões continentais do nosso país, é algo impressionante o que foi feito em curto espaço de tempo. O futuro está reservado para uma nova fonte limpa e que revolucionará tudo o que conhecemos sobre fonte de energia, a partir da fusão nuclear. Ao contrário da fissão nuclear, que transforma núcleos pesados em núcleos menores, a fusão utiliza a união de núcleos leves para formar núcleos mais pesados. Exemplo de fonte conhecida deste tipo de energia, o Sol, o qual une átomos de hidrogênio e, além de energia, produz hélio. Neste momento, esta fonte de energia está em desenvolvimento científico, com grandes avanços recentes obtidos pela China. Porém, ainda não atingiu o “break even”, isto é, gerar mais energia do que a consumida para a produção. Mas isto para a ciência é detalhe a ser vencido. De forma que é difícil prever quando teremos esta fonte operacional e comercial, mas com certeza teremos, e ela trará mudanças dos paradigmas consolidados na área de energia.

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Engenheiro químico Luiz Eduardo Caron, coordenador nacional de câmaras especializadas de Engenharia Química (CCEEQ)

Confea – No filme “De volta para o Futuro”, o plutônio é usado como combustível para alcançar 1,21 gigawatts necessários para atingir 88 milhas por hora, quando o carro seria transportado no tempo. Existe ou parecia existir, na época, um certo fascínio pela energia nuclear, apesar dos temores. O que o senhor acha dessa abordagem em torno desses elementos fictícios?

Eng. quim. Luiz Eduardo Caron – Na época deste filme, a energia nuclear, por fissão, era o que havia de mais energético e a ficção científica se permite solucionar problemas concretos com soluções extravagantes. E, a energia nuclear é de fácil compreensão para o público geral. Fusão nuclear era pouco mais que teoria. A viagem no tempo e através dos multiuniversos é o que está em alta. Filmes nestes temas geram a curiosidade e interesse pela ciência. Um dos melhores filmes mais recentes deste tema foi “Interestelar”. Muitas das teorias e especulações científicas estão presentes no filme. 
 

Henrique Nunes
Equipe de Comunicação do Confea

Colaboração: Beatriz Leal