Morre engenheiro criador de dois aceleradores de partículas brasileiros


No dia 3 de janeiro, a ciência brasileira perdeu o pesquisador Antonio Ricardo Droher Rodrigues. Formado em Engenharia Civil pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e doutor em Física pelo King’s College, University of London, Ricardo Rodrigues era referência na área de aceleradores de partículas. Desenvolveu no Brasil dois síncrotons: o UVX, o primeiro do hemisfério sul, implementado em 1997, e o Sirius, previsto para entrar em funcionamento no final deste ano.

Engenheiro civil Ricardo Rodrigues analisa amostras metálicas no Laboratório Nacional de Luz Síncroton

Ambos desenvolvidos no Laboratório Nacional de Luz Síncroton (LNLS), do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), em Campinas (SP), os projetos auxiliam cientistas no estudo da composição e do comportamento de materiais ou moléculas com alta resolução, com base na radiação síncroton, um tipo especial de luz.

O UVX operou até o final de 2019 e teve seu funcionamento encerrado para dar lugar ao sucessor Sirius. A CNPEM estima que mais de 6 mil pesquisadores utilizaram o equipamento em experiências científicas.

UVX foi construída em 1997, sob coordenação técnica do engenheiro Ricardo Rodrigues. Primeira fonte de luz síncroton do hemisfério sul funcionou até o ano passado e dará lugar ao Sirius

 

Conheça o Sirius, em detalhes

O gigante acelerador de partículas Sirius tem 518 m de circunferência e possui 68 mil m² de área construída, sendo 6.500 m³ de concreto especial de baixíssima retração e 900t de aço. São 1 mil km de cabos elétricos e 8 mil pontos de controle de mais de 4 mil computadores.

Terá capacidade de produzir luz síncroton, uma radiação que funciona como raio x e é capaz de analisar rapidamente a estrutura de materiais em escala de átomos e moléculas. O novo equipamento será de 4ª geração, podendo ser comparado ao Max IV, único da categoria que está em funcionamento na Suécia desde 2016.  

Ricardo Rodrigues liderou a Divisão de Engenharia do LNLS e coordenou os aceleradores do Sirius. A fonte de luz síncroton de última geração está em fase de finalização

No setor agrícola, o Sirius ajudará a entender o funcionamento do solo, dos mecanismos de absorção das plantas e do aproveitamento de insumos. Nos estudos sobre energia, será possível desenvolver baterias mais duráveis, seguras, com menor custo e tamanho. Poderá contribuir ainda na pesquisa de rochas, permitindo a redução do custo e o aumento da produção de óleo e gás. A tecnologia também será aliada da medicina, especialmente no estudo do cérebro humano e no desenvolvimento de tratamentos e remédios para enfermidades degenerativas, como Alzheimer e Parkinson.

Criatividade e conhecimento técnico

Ricardo morreu aos 68 anos, acometido por um câncer de pulmão, diagnosticado em meados de 2019. Mesmo doente, seguiu trabalhando e em dezembro passado acompanhou a equipe na geração de corrente suficiente para fazer chegar a luz síncroton pela primeira vez em uma das futuras estações experimentais do Sirius.

Quarto da direita para a esquerda, entre os que estão em pé, Ricardo Rodrigues esteve com a equipe do Sirius no final de 2019

O estudioso era casado com Liu Lin, líder do grupo de Física de Aceleradores do LNLS, em Campinas. Deixa três filhos e teve o corpo cremado no sábado (4), em Campinas.

A esposa lembra como foi o começo do projeto, encarado pelo pesquisador como estímulo ao processo criativo. “Quando iniciamos o projeto, ninguém sabia como fazer, era algo desafiador e foi feito do zero – foi o Ricardo que liderou esse começo”, disse Lin, em entrevista à Folha de S.Paulo. “Havia muitas dificuldades técnicas e não havia dinheiro. Mas, como ele dizia, às vezes um pouco de falta de dinheiro – só um pouco, ou tudo acaba – ajuda a despertar a criatividade. Ele incentivava todo mundo. Todos ficávamos com vontade de trabalhar e nos divertíamos – era algo gostoso”, acrescenta a esposa.

A habilidade do engenheiro em  solucionar problemas com originalidade também foi destaque da nota da CNPEM, em que lamentou a perda do líder da Divisão de Engenharia do Laboratório Nacional de Luz Síncroton e coordenador de Aceleradores do Sirius:

“Ricardo Rodrigues tinha a capacidade de unir entusiasmo, criatividade, conhecimento técnico e científico e encontrar soluções inéditas exigidas para construir equipamentos de alta sofisticação tecnológica. Ainda mais importante, era um formador de pessoas. Avesso a formalidades acadêmicas, reconhecido mundialmente como um criativo solucionador de problemas, Ricardo Rodrigues deixa saudades. Sua trajetória servirá de constante inspiração para os que, no Brasil, se dedicam a ciência, tecnologia e inovação.”

 

Referências:
Revista Galileu

Folha de S.Paulo

Portal G1



Equipe de Comunicação do Confea

Fotos: Comunicação CNPEM/LNLS