Transposição das Águas do Rio São Francisco é criticada no V FSM

Brasília, 04 de fevereiro de 2005

A transposição das águas do Rio São Francisco, assunto que esteve em pauta no governo Fernando Henrique Cardoso, voltou com força total no governo Lula, com a denominação de integração de bacias. Polêmico, o tema foi alvo de oficina no V Fórum Social Mundial (FSM), realizado em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, de 26 a 31 de janeiro deste ano. A discussão teve entre outros promotores o Crea-BA e contou com grande participação de vários profissionais do Sistema Confe/Crea.

O presidente do Crea-BA, eng. Marco Antônio Amigo, abriu as exposições, fazendo uma contextualização histórica da questão, traçando uma espécie de diagnóstico que deixou claro que o Conselho é desfavorável ao projeto como está apresentado.

 O representante da Comissão Pastoral da Terra e membro da coordenação do Projeto de Coordenação do Rio São Francisco, Rubem Siqueira, tentou desfazer o mito da escassez de água no semi-árido brasileiro. Segundo ele, ao contrário do que é amplamente divulgado, o semi-árido tem condições, inclusive, de contribuir com água. “Um terço da água do subsolo do semi-árido brasileiro daria para abastecer a população com 200 litros habitante/dia e possibilitaria a irrigação de dois milhões de hectares de terra. Então, o discurso de falta de água no Nordeste tem muito de interesses particulares’”, disse.

Ele citou seis questões que, na sua avaliação, são basicamente as responsáveis pelos problemas do Nordeste: população difusa; aglomeração em médios e pequenos centros urbanos, que passaram por explosão demográfica; concentração de terras e de água nas mãos do poder político; ideologia da indústria da seca; carência de recursos técnicos de manejo de água de chuva e de outras tecnologias de uso sustentável; e má gestão.

A advogada Ana Cassilda, do Comitê Permanente de Defesa do Rio São Francisco, falou dos aspectos políticos e jurídicos que permeiam a questão da transposição do Rio. Ela lembrou que a Constituição de 1988 já traz a idéia de que água não é mercadoria, é um direito universal.

“No Brasil, o espaço existente para a participação popular na gestão dos recursos hídricos são os Comitês de Bacias, responsáveis pela elaboração do plano de recursos hídricos”, informou, lembrando também que existe ainda como instância deliberativa o Conselho Nacional dos Recursos Hídricos.

Cassilda também lembrou que a Constituição diz que a exploração dos recursos hídricos em terras indígenas só pode ocorrer se forem ouvidas as populações indígenas. “No atual projeto do governo de integração das bacias isso não está previsto. Até agora nenhum índio da região foi ouvido”, lamenta.

A advogada acrescentou às suas críticas ao projeto, a necessária aprovação no Congresso Nacional, o que não ocorreu porque o mesmo não foi submetido àquela instância. Ressaltou também a ausência da informação no projeto da disponibilização hídrica das bacias receptoras, além da apresentação no EIA RIMA (Estudos de Impactos Ambientais) de uma série de incongruências. A advogada resume assim sua avaliação sobre o projeto: “Possui graves ofensas à legislação. O Comitê de Bacias Hidrográficas já entrou com várias ações na Justiça contra o governo”.

Outro palestrante da concorrida oficina foi o eng. Odair Santos Júnior, assessor do meio ambiente do Crea-MG, que falou sobre outras experiências de transposição de águas já realizadas no mundo. A maioria com resultados pouco positivos para seus objetivos.

Odair disse ser necessária ponderação sobre o esquema de irrigação pretendida no projeto. Endossando a opinião de Rubem Siqueira, afirmou que não é necessário transpor as águas do Rio São Francisco, visto que os quatro Estados que deveriam ser abastecidos por essa água têm disponibilidade hídrica suficiente.

A advogada falou que o projeto não atende às exigências legais e Odair afirmou que nem às técnicas. Ele listou pré-requisitos para uma transposição de águas como: que a bacia receptora tenha pouca água e terra agricultável, que a bacia doadora tenha água sobrando e não tenha terra agricultável, e que a transposição seja economicamente viável.
 
“Nenhum desses três pré-requisitos básicos são atendidos. Se um só não fosse, já seria motivo suficiente para barrar o projeto. Devemos realizar estudos técnicos para viabilizar o uso da água abundante que existe no Nordeste setentrional, antes de pensar em transposição”, finalizou o engenheiro.

Bety Rita Ramos
Assessora de Comunicação