A importância de se aliarem conhecimentos ancestrais a geocientíficos

Brasília, 30 de maio de 2024

Na cidade fronteiriça amazonense de São Gabriel da Cachoeira, o tema da aula era placas tectônicas. A professora achou por bem trazer um profissional para explicar às crianças da oitava série as formações e todas as peculiaridades envolvidas no tópico. Certa garota indígena registrou bem registrado aquele ser humano que falava sobre blocos rochosos e seus limites. Jamais esqueceu, por exemplo, que o primeiro geólogo que conheceu era colombiano.  

Cisnea Menezes Basílio, ou Wisú, como é conhecida em sua comunidade Desana, chegou a tentar desviar de seu destino, fez um curso técnico em Meio Ambiente, mas não resistiu: acabou passando no vestibular para Geologia, e neste 30 de maio – Dia do Geólogo -, o site do Confea celebra sua defesa de Mestrado, realizada no último 29 de abril, na Universidade Federal do Amazonas, com o tema “Geologia dos lugares sagrados dos povos UMÜKORI MAHSÃ e YEPAMAHSÃ (Tucano) em São Gabriel da Cachoeira-AM”.

“Nós, indígenas, temos uma relação muito forte com a natureza, a gente depende disso, corpo e meio ambiente, não tem como dissociar. E quando chegamos à Academia, a gente passa de pesquisados para pesquisadores do nosso próprio território. O conhecimento ancestral indígena é muito mais complexo, porque lida com um outro mundo, que tem mais classificações do solo, por exemplo. Não precisa nada mais ser inventado, basta fortalecer as comunidades indígenas. Já temos calendários estelares que fazem monitoramento ambiental. Agora o conhecimento da geologia, da biodiversidade, vem ao encontro para criarmos novas estratégias de conservação. O conhecimento geocientífico agrega valor, aí a gente dá mais base científica a esses lugares sagrados, fortalece”, reflete Cisnea.

Fazer a conexão entre esses dois tipos de conhecimento foi justamente o maior desafio de seu mestrado, conforme pontuado por Cisnea. “Entrar em lugares sagrados é algo novo para a geologia, como encontrar equilíbrio e conectar conhecimentos tão diferentes?”. A pesquisadora conta que a inspiração para a escolha do tema de pesquisa veio de uma memória adormecida. “Busquei em histórias que nos eram contadas quando éramos crianças, esses repertórios de palavras que contêm um poder místico, um poder de cura”.

Infelizmente, o preconceito contra indígenas ainda é uma realidade no ambiente acadêmico. Cisnea conta que chegou a ouvir afirmações como a que versava que não estava preparada para conduzir a própria pesquisa. “Sempre houve. Mas procuro tentar levar como se aquilo me fortalecesse”.

Veja entrevista com Cisnea em vídeo comemorativo ao Dia do Geólogo:

 

 

Beatriz Leal Craveiro 
Equipe de Comunicação do Confea 
Fotos: acervo pessoal