Brasília, 22 de março de 2024
Foram 11 minutos de voo, mas poderia ter sido uma eternidade. Em quatro minutos de subórbita, o engenheiro de produção Victor Correa Hespanha constatou que, do espaço, tem-se a impressão de como se a Terra emanasse uma luz branca, de que o escuro do espaço é total, sem estrelas. Deu tempo, ainda, de dar cambalhotas no ar microgravitacional da nave. Estavam Victor e outros cinco turistas espaciais, sem a presença de um astronauta profissional. Era a primeira missão espacial turística privada da história, performada pela empresa Blue Origin, de Jeff Bezos, no dia 4 de junho de 2022.
Victor ganhou acesso à viagem após participar de um sorteio. Ao adquirir NFTs da Crypto Space Agency (CSA), Victor automaticamente entrou nessa rifa, da qual saiu com o ticket dourado. No total foram R$ 12 mil investidos que reverteram no sonho de criança realizado. A nave chegou a alcançar 3,7 mil quilômetros por hora e a altitude máxima foi de 100 quilômetros. “Uma coisa que me marcou muito foi ver o oxigênio ao redor da Terra. É uma camada muito fina, dá uma sensação de que precisamos cuidar muito deste lugar”.
Quase dois anos após a missão, na última quarta-feira, 20/3, Victor esteve no Confea, em diálogo com o presidente Vinicius Marchese, quando apresentou seus projetos junto à CSA, onde hoje trabalha, de tornar a viagem espacial algo mais acessível para o cidadão comum. “A gente comprou os seis assentos do foguete, então já é um investimento alto que nós fizemos justamente para entregar uma mensagem para as pessoas”, ponderou. “A gente quer impulsionar os nossos engenheiros a entenderem que existe uma nova oportunidade, comercial mesmo, de fazer negócio. Antigamente era impossível você ter uma empresa aeroespacial ou ir para o espaço, mas agora a gente está abrindo uma mata aí que vai trazer acesso para as pessoas”.
Em breve, será lançado o Podcast Conexões Tecnológicas, apresentado pelo presidente Vinicius, cujo primeiro convidado será justamente o astronauta Victor Hespanha. Enquanto isso, fique com a entrevista abaixo, em que o astronauta fala sobre a parceria com o Confea e sobre a sensação de conhecer o espaço:
Confea: O voo teve dez minutos, né? Mas eu queria saber quanto tempo demorou para você, se passou muito rápido, se passou muito devagar...
Victor: Na verdade foram onze. E essa resposta é muito difícil porque ao mesmo tempo que parece que eu fiquei dez horas ali dentro, pareceu que eu fiquei alguns segundos, né? Eu lembro assim de algumas situações da minha vida tirando essa experiência. Eu fui músico. Eu juntava minha banda, a gente ensaiava às vezes por meses, para ter uma apresentação de minutos. Foi uma experiência um pouco semelhante a isso. Nós ficamos muito tempo dentro do foguete antes do foguete sair, então acaba que deu para digerir bem a situação antes. A gente ficou mais de 40 minutos no foguete fechado, e teve o treinamento. Então acaba que isso tudo foi muito importante para entender e absorver ali, naqueles poucos minutos. E, no final das contas, parece que foi uma eternidade ali dentro. Para mim foi uma experiência muito forte.
Confea: E o treinamento foi de quanto tempo?
Victor: Olha, foram três dias presenciais mesmo na base, com simulador oficial. Acho que vale destacar também que é um voo diferente da de um voo orbital, esse é um voo suborbital, que é um voo mais curto, mais rápido. Então não tem necessidade de você se preparar fisicamente muito além do que uma pessoa saudável no dia a dia, né? Então, eu tive também parte do treinamento remoto para diversas frentes diferentes, desde sinais, comunicação, como que seria o traje, cenários de emergência e in loco a gente fez esse. A gente passou pelo processo por dezenas de vezes. O processo natural como que é você entrar dentro da cápsula, você achar o seu assento, sentar no assento, tirar o cinto de segurança durante microgravidade e em caso de emergência. Então a gente repetiu tanto aquele processo que ficou algo internalizado, como quando você dirige, você não pensa na marcha que você vai passar, no caso de carros manuais. Então, foi um pouco isso. O processo era automático, automatizado, para que a gente aproveitasse o máximo da missão, que não era uma missão complexa. Era muito mais aproveitar aquele momento.
Confea: Os conhecimentos que você tinha de engenharia pela sua formação foram úteis de alguma forma na missão?
Victor: Olha, eles foram úteis para mim, para eu me sentir mais seguro. Porque quando eu fui escolhido bate um nervosismo natural, como quem tá dentro de um foguete. Até quando você entra no avião? Muitas pessoas têm aquela sensação, é hostil. Se cair, isso pode acontecer alguma coisa grave e fatal. Então o foguete, ele é muito mais delicado. É uma operação complexa. Mas quando eu tive a oportunidade de conectar com os engenheiros locais, eu queria muito conversar para entender como funcionava a manutenção, o processo de investigação, de falha, etc. E quando eu tive a oportunidade de conversar com esses engenheiros, eu vi que que o projeto, e aí eu dou esse crédito, eu dou esse crédito diretamente para a origem. É um projeto muito consistente, com engenheiros muito bons, dos melhores dos Estados Unidos, que vieram de desde NASA até da própria SpaceX também. Então, são pessoas excelentes. E aí, uma vez que você sabe que existe um bastidor bem, bem robusto e te tranquiliza de certa forma, sabia que existiam muitos processos de redundância da engenharia dentro daquele foguete? Inclusive nós fomos para o Texas e tivemos que voltar para o Brasil por conta de uma investigação pequena. Era coisa assim que não, não comprometeria o voo. Mas a equipe de engenharia teve o aval de congelar a missão, adiar mais duas semanas, justamente para ter a segurança completa do voo. Então isso me tranquilizou muito, sabe? Porque eu não tinha necessidade de usar nada que eu aprendi de Engenharia naquele voo específico
Confea: E não havia astronautas profissionais a bordo, né? Eram só os turistas. E isso não te preocupou?
Victor: Não, porque mesmo se tivesse astronautas oficiais ali, militares, eles não tinham ação sobre aquele foguete. Ele não tem instrumentos para pilotar. É um foguete autônomo e qualquer pessoa mais experiente que estivesse ali não alteraria em nada para o curso do foguete e os procedimentos de segurança para os quais nós fomos treinados também. Eles são procedimentos de segurança muito semelhantes à aviação comercial. Às vezes você tem uma comissária de bordo que explica como você vai ter que abrir uma porta de uma saída de emergência. É muito parecido, claro, com um grau de tensão e complexidade um pouco maior. Por isso que a gente passa por um treinamento maior do que da comissária de bordo. Mas há a ideia desse programa da Blue Origin e está muito alinhado com visão de futuro. É tornar o espaço acessível para as pessoas. Então, para ser acessível, assim como a aviação comercial, eu sempre bato nessa tecla aviação comercial. As pessoas que estão ali que não são da tripulação, são pessoas normais. Então precisa de, tecnologicamente falando, a nível de desenvolvimento, fornecer aquela experiência da forma mais segura possível, né?
Confea: Fale um pouco sobre a sensação de ver a terra e a escuridão, claro, e a pouca gravidade...
Victor: Muito legal essa pergunta. Eu falo muitas vezes, mas é a que eu mais gosto de falar, porque foi uma experiência muito marcante, né? E vou dar um passo atrás antes, quando o foguete sai do pé de onde ele está fixado, ele demora muito para sair. As pessoas acham que por ter uma potência, a força de empuxo muito alta, que ele vai sair rapidão é muito difícil, porque é o arrasto atmosférico pela própria gravidade do local e dificulta muito o foguete sair do chão. Então é um negócio assim que parece que vai dar errado no início. Mas uma vez que ele vence essa inércia inicial, ele começa a levantar voo e a partir do segundo minuto fica. Ele ganha muita velocidade porque ele perde essa resistência do ar e aí de repente fica escuro. Isso é muito legal de dizer, né? E uma coisa que me chamou muito a atenção nisso e que inclusive é a dúvida de muitas pessoas quando veem fotos da terra. “Mas poxa, tira uma foto do espaço e não vê estrela?” Realmente você não vê estrela porque você tá lá em cima e o reflexo do sol na Terra faz com que de baixo para cima venha uma luz clara de baixo. Isso é muito legal. A própria lua à noite que ilumina a terra é a mesma ideia. E a Terra é um espelho d'água. Então você vê um clarão vindo de baixo para cima. E ao mesmo tempo, quando você olha no horizonte, está escuro. Então por que você não vê estrelas? Quando você está de dia, você não vê a estrela, né? Quando você está numa cidade como Brasília, São Paulo, à noite, que é uma cidade muito luminosa, você olha para cima, você também não vê estrelas. Você só vai conseguir ver estrela quando você não tem luminosidade. Então isso, esse reflexo da terra de baixo para cima do sol, não deixa ver nada. Então você só vê tudo preto. O sol, diferente do que a gente desenha, é totalmente branco. Ele não é amarelo, porque o amarelo você só vê por conta de uma, como se fosse uma lente que o oxigênio gera uma camada, assim, um filtro. Exatamente por isso que quando a gente vê o sol no horizonte, ele é mais laranja, porque tem um filtro até da poluição.
Ah, o oxigênio presente também. Isso é uma coisa que me marcou muito. Quando você olha no horizonte, ele é muito fino. Assim, ao redor da Terra. Eu não vi o globo todo, mas na parte que que eu consegui ver da curvatura e dessa altitude que eu estava, é uma borda muito fina que até traz uma sensação de que nós precisamos muito cuidar desse lugar, porque é muito sensível. Parece que o oxigênio que a gente olha é azul, é infinito. Não, com 30, 40 km de altura já começa a ficar preto, então é muito pequeno isso tudo, sabe? Então, é uma sensação de poxa, precisamos cuidar disso porque é sensível, não é muito. A gente não é a última bolacha do pacote, não sabe realmente. Então, isso foi muito legal para mim.
E ausência de gravidade. A microgravidade ali foi uma experiência legal também, mas o difícil foi entender isso tudo ao mesmo tempo, né? Nós fomos treinados por dois astronautas da NASA, um inclusive, que foi da missão Apollo 16, Missões Lunares na década de 70, e ele falou assim: “gasta seu tempo olhando a janela, não fica tentando jogar bolinha na microgravidade”. Mas eu também dei uma cambalhota, né? Mas assim, a vista é uma coisa inesquecível. Tanto é que eu gastei mais tempo agora falando da vista. Mas então a dificuldade era essa. Nossa, eu tenho só quatro minutos para olhar de cima, para testar, para ficar de cabeça para baixo. Vai dar cambalhota, mas acho que deu para aproveitar bastante. É e foi muito marcante. Tenho muita vontade de fazer isso de novo, justamente para eliminar aquele fator surpresa da primeira vez, sabe? Então vamos ver, né? Cada dia mais está ficando mais acessível o mercado, ele está ficando mais próximo. Em breve, aí eu estou liderando uma missão. Nós vamos mandar novas pessoas para o espaço e espero um dia ter essa honra de fazer uma segunda vez. Isso é muito legal.
Confea: Conte mais sobre essa história de liderando uma missão...
Victor: Desde que voltei, o que tem martelado assim no meu coração mesmo é como que faz para passar o bastão, para abrir essa oportunidade para mais pessoas? Porque foi realmente transformador para mim, em todos os sentidos. Espiritualmente falando e fisicamente falando, tecnicamente, em todos os sentidos, foi uma experiência muito forte. E. Desde o início, quando eu fui escolhido, eu não era a pessoa mais capacitada para fazer uma missão espacial. E eu entendi que eu era basicamente um símbolo ali que gerava acesso para as pessoas nesse mercado, né? Pessoas habitarão o espaço no futuro por conta da tecnologia, por conta do benefício do custo benefício tecnológico. Então eu fiquei com isso. Como que eu posso abrir para mais pessoas? Hoje eu tenho credenciais que me ajudam com isso. Quando eu vou fora do Brasil, principalmente, e as pessoas recebem, as pessoas querem entender, as pessoas querem entender a visão de futuro. Então, junto com a CSA, que é a agência que me enviou, a gente está desenvolvendo um programa para enviar pessoas comuns ao espaço, pessoas que que sempre sonharam com isso. A gente vai oferecer essa oportunidade e de uma forma acessível, para que todas as pessoas consigam aplicar para o programa, mesmo quem não tem dinheiro, para dar essa oportunidade para pessoas que estão há muitos anos aí sonhando com isso. É um experimento. A gente vai envolver faculdades. Quero muito envolver também os Crea Juniores.
A gente comprou os seis assentos do foguete, então já é um investimento alto que nós fizemos justamente para entregar uma mensagem para as pessoas. A gente vai envolver países que não tem astronautas ainda, né? E eu, como brasileiro, quero muito ver o Brasil também forte institucionalmente aí na empreitada.
Confea: Pelo que eu entendi, você comprou três NFTs, cada uma sendo R$ 4 mil, certo? E aí o valor deu R$ 12 mil.
Victor: Isso, foi isso. E o NFT que eu comprei não era para entrar no sorteio. Eu vi a agência, que inclusive eu trabalho hoje oficialmente, eu falei que legal, eu trabalhava no fundo de investimento, na parte de expansão de infraestrutura, centros de distribuição e expansão do negócio, e eu pensei: “estou vendo muitos engenheiros, empresários investindo muito nessa área. Eu preciso entender porque talvez o espaço seja a internet dos anos 90 agora, né? É uma oportunidade legal”. Aí eu investi para entrar nisso. “Quero ser um dos investidores iniciais dessa iniciativa”. E aí, de brinde, eu fui selecionado na comunidade, entendeu? Mas o meu interesse não era ir para o espaço, era entender do mercado. Inclusive, hoje eu estou empreendendo no mercado. Eu poderia, por exemplo, usar minha credencial e dizer “vou para a Nasa, vou ficar lá e vou voltar para o espaço, vou treinar e vou entrar na carreira de astronauta. Não é isso que eu quero, eu quero investir no mercado.
Confea: NFT não está mais em alta, né?
Victor: Não, as pessoas não entenderam o que que era o NFT. Tanto é que a única NFT que eu comprei na minha vida foi essa. Porque antes as pessoas compravam os NFT, que eram aquelas figurinhas esquisitas, que era totalmente especulativo, comprava por um valor, vendia dez vezes mais caro e contava com certa sorte ali. Não só sorte, tinham alguns quesitos técnicos ali que você conseguia avaliar. Mas uma bolha estourou e meio que só permaneceram empresas que entendiam o NFT como tecnologia de tokenização e de segurança do que o GIF. Tanto é que eu nem nunca nem mostrei como que era o NFT. O mais importante para mim era a credencial que me dava acesso a estar naquele naquela agência espacial.
Confea: Como foi a agenda com o Vinicius?
Victor: A gente estava falando justamente sobre essa missão. Na época que eu fui, eram seis assentos, como é hoje, e eu era representante dessa agência espacial, a CSA. Mas os outros cinco tripulantes eram pessoas aleatórias, né? Não tinha conexão com o projeto. Agora não. Agora os seis assentos são nossos e a narrativa também é nossa. Os experimentos que vão ser desenvolvidos, científicos, também são nossos, o processo de escolha, é tudo nosso. Então a gente está com uma expectativa muito alta. Os nossos investidores também, os parceiros, tem alguns patrocinadores querendo investir nesse projeto. E o fruto disso vai ser uma plataforma em que as pessoas poderão aplicar o processo de seleção. As pessoas também poderão aplicar os experimentos científicos. Startups aeroespaciais podem também entrar nessa plataforma e ela vai ser uma vitrine, como se fosse um marketplace. Depois dessa missão, vários investidores me procuraram, porque eu já era do mercado de investimentos, e disseram “quero entrar, estou vendo o Elon Musk, o Jeff Bezos colocando dinheiro nisso. Como que eu faço para investir nisso também?” Eles não fazem a menor ideia. Então, o que será a nossa plataforma? A gente pode gerar acesso para as pessoas, e nós temos uma curadoria que a gente evidencia as melhores iniciativas, os melhores projetos científicos, as melhores startups e então os investidores que quiserem colocar dinheiro nesses projetos, eles podem fazer, né? Vai ser uma espécie de marketplace.
O Vinicius é um grande parceiro desde o Crea em São Paulo. Ele é um cara muito à frente das pessoas. Ele tem muita visão. É uma visão disruptiva também, que é muito importante, principalmente para o Sistema aqui nosso de engenharia. E se a gente quer competir com grandes nações, a gente tem que ter iniciativas fora da caixa também. Então é muito legal contar com o apoio do Confea. E a gente vai jogar isso junto, porque a gente quer impulsionar também os nossos engenheiros a entenderem que existe uma nova oportunidade, comercial mesmo, de fazer negócio. Antigamente era impossível você ter uma empresa aeroespacial ou ir para o espaço, mas agora a gente está abrindo uma mata aí que vai trazer acesso para as pessoas.
Confea: Minha pergunta era justamente como que o Confea pode fomentar mais a inovação e trazer os profissionais jovens para perto do Sistema?
Victor: A gente vai estruturar isso muito bem. Esse projeto vai ser um primeiro passo importante. O Vinicius já é um grande parceiro, eu sou engenheiro. As duas coisas que eu mais quero ver como cidadão brasileiro e engenheiro, é que o meu Sistema se fortaleça no sistema profissional e que o meu país também cresça. E nenhum país cresce sem investir na base. Nenhum país cresce sem investir iniciativas em tecnologia. Então, é do meu interesse que, nessa missão, o Brasil ele seja uma das maiores vitrines também. Mesmo já tendo enviado astronautas no passado. É do meu interesse que a gente potencialize isso.
Beatriz Leal Craveiro
Equipe de Comunicação do Confea
Fotos: Reprodução