FSM - Entrevista com Rafael Dautant

Caracas, 30 de janeiro de 2006

Presidente da Associação Venezuelana de Engenharia Sanitária e Ambiental, Vice-Presidente da região três dos países bolivianos da Associação Interamericana de Engenharia Sanitária e Ambiental, o eng. civil e professor universitário Rafael Dautant, foi um dos palestrantes da oficina  “Saneamento e Resíduos Sólidos: A Cidade Saudável”, organizada pelo Confea na sexta versão do Fórum Social Mundial, realizado de 24 a 29 de janeiro, em Caracas, na Venezuela. Assim que concluiu sua exposição, o professor concedeu entrevista exclusiva para a Assessoria de Comunicação do Confea, quando falou sobre o comportamento de alguns países da América Latina na área de saneamento básico e da privatização do setor na Venezuela, entre outras questões.

ACOM - Professor qual é a leitura que o Sr. faz dos países da América Latina no trato do saneamento básico?

Rafael Dautant - Eu posso falar apenas da Venezuela porque moro e trabalho aqui, do Brasil onde realizo alguns trabalhos, do México, Colômbia e Chile, países nos quais acompanho um pouco essa área. Estes países têm itens do saneamento em diferentes estágios. Por exemplo, no que se refere a esgotos industriais, a Venezuela é a mais avançada porque tem uma regulação muito rigorosa para áreas críticas. Só para citar um exemplo, na Bacia de Valência, cidade onde existe uma atividade industrial muito forte, com cerca de 400 a 450 indústrias de todo o tipo, a legislação ambiental é rigorosamente aplicada, com muita vigilância e é mantido um controle total dos afluentes da bacia. Mas no que se refere a esgoto doméstico, por exemplo, o México e o Brasil têm melhores situações, a Venezuela, lamentavelmente, só tem 7% dos esgotos tratados. Porém, há uma política ambiental no momento que busca incrementar essa porcentagem. Quando se trata de municipalização e humanização dos serviços de saneamento, aí já se destaca a Colômbia, que é o país mais avançado nesse item. A importância de um evento como o Fórum Social Mundial, capítulo Américas, é justamente possibilitar que esses países troquem experiências e que cada um possa aprender um pouquinho com o outro. O importante é gerar a discussão sobre o tema e provocar a retroalimentação dessa discussão. Experiências exitosas têm que ser mostradas e copiadas, se houver interesse, pelos países que ainda enfrentam os problemas.

ACOM - Em vários países o setor de saneamento está privatizado, em outros caminha para a privatização, como está o quadro hoje na Venezuela?

Dautant  Na Venezuela o processo de privatização está iniciando. Setores da sociedade se mostram contra e outros a favor. Na minha opinião, os que são contra o são porque não conhecem as vantagens que a privatização pode trazer se for bem feita, e é claro, for mantida uma fiscalização constante e efetiva pelo governo e sociedade sobre a prestação de serviço. Mas na minha avaliação a privatização é apenas um item da modernização do setor de saneamento. Existem empresas públicas do setor que se conduzem com critérios de empresas privadas e são muito exitosas. Existem empresas mistas, ou seja, privadas e públicas que também realizam com êxito este serviço. Enfim, é importante se buscar o modelo mais apropriado para o serviço de água e saneamento, cada país tem a sua própria realidade e isso tem que ser levado em conta.

ACOM - Então, na sua avaliação a privatização pode se somar a uma responsabilidade pública, não seria uma privatização cem por cento?

Dautant  Exatamente, porque o serviço continuará sendo público, o que se privatiza é a operacionalização do serviço. A regulação, controle e a vigilância deve continuar sendo do governo e deve ser forte.

ACOM  No Brasil, em alguns setores já privatizados, os mecanismos de fiscalização criados deixam a desejar, a maior parte da população está insatisfeita com a prestação de alguns serviços como telefonia, a própria área de saneamento já privatizada em algumas cidades... como é que está esse caminho para a privatização na Venezuela?

Dautant  Na Venezuela tivemos êxito na parte de privatização, por exemplo, nas telecomunicações. A telefonia, que hoje está a cargo de uma empresa privada, é excelente. Antes, quando era pública, era um desastre. A sociedade está satisfeita porque controla, tem participação quando se discute as tarifas. O modelo funciona porque a sociedade entendeu que tem que ter a cultura de pagar por um serviço público seja quando é operacionalizado pelo governo, por uma empresa privada ou por um sistema misto. Na Colômbia, por exemplo, é uma empresa pública municipal que é responsável pelo setor de energia, água, resíduos sólidos, telecomunicações, e é uma empresa com altíssima rentabilidade, que oferece um serviço que satisfaz a população. Nós na Venezuela também podemos tentar, se deu certo lá, pode dar aqui. Temos é que descobrir a melhor forma.  Sendo a empresa pública ou privada, o que tem que se cobrar é eficiência.


ACOM  Lixo, uma das questões fundamentais para o setor de saneamento, é um problema em muitos países, como é tratado o lixo na Venezuela?

Dautant  De um modo geral o lixo na Venezuela não é bem tratado. Nos últimos sete anos iniciou um movimento interessante. Caracas, por exemplo, está bem atendida com relação ao depósito do lixo, mas tem sérios problemas de coleta.  Em Valência há grandes problemas sanitários. De um modo geral falta muito a Venezuela para alcançar o tratamento ideal da questão lixo. Devemos impulsionar iniciativas de reciclagem e melhorar o tratamento e depósito final.

ACOM - Com relação a recursos hídricos, como está o país?

Dautant  A situação também deixa muito a desejar. Disse na minha palestra que temos que educar as pessoas tanto as de muitos recursos como as de poucos. Não há ainda este trabalho na Venezuela. Acredito que na preservação dos recursos hídricos e no oferecimento de serviço e saneamento adequado está o êxito do país. Hoje Caracas e Valência recorrem a outros Estados para ter água. Como é possível isso? Isso é insustentável. E é resultado de termos contaminado nossos recursos hídricos. E quem mais contribui para a poluição é a população de baixa renda porque não tem conhecimento. Carecemos de educação ambiental. Eles jogam o lixo no rio, nas águas porque não sabem onde colocar, sequer imaginam as conseqüências do que estão fazendo, simplesmente estão privando a si mesmo deste recurso e a seus filhos. Se não mudarmos imediatamente a forma de tratarmos nossos recursos hídricos, vamos nos privar muito em breve da própria vida.

Bety Rita Ramos
Da equipe da ACOM