Governo investiu apenas 1 bilhão dos 8,9 bilhões previstos para obras de saneamento básico em 2004

São Luís (MA), quarta-feira, 1 de dezembro de 2004.

Vitor Soares

Da esq. p/ direita: professor Jan Bitoun e Bertoldo Silva Costa
 
O Painel "Cidades e Desafios Ambientais", realizado na tarde de ontem, trouxe à tona realidades e projeções alarmantes para a área de saneamento ambiental brasileiro. Os especialistas no assunto, Jan Bitoun, da Universidade Federal de Pernambuco, e o engenheiro sanitarista Bertoldo Silva Costa, do Conama - Conselho Nacional do Meio Ambiente, mostraram com base em pesquisas e dados sócio-econômicos que o Brasil está atrás de muitos países, inclusive alguns da América Latina.

A prova do descaso sucessivo de governos pode ser medida pelos investimentos realizados e pelo retorno obtido. Segundo dados do engenheiro Bertoldo Silva Costa, embora o Brasil tenha gasto anualmente, no período de 1968 a 1993, uma média de 650 milhões de dólares em saneamento, e outros 340 milhões de dólares/ano, entre 1994 e 2004, os resultados práticos destes investimentos não refletem a realidade vivida hoje no país. "Com tantos investimentos, a situação brasileira deveria ser bem melhor", alerta Costa. Os dados oficiais indicam que, atualmente, 51% da população é servida por rede de esgoto e 64% por rede de água. Mas Costa questiona estes números já que, segundo ele, 95% da água oferecida não tem qualquer controle de qualidade e, mais de 80% dos esgotos coletados não recebem nenhum tipo de tratamento.

Segundo cálculos do próprio Governo Federal, seriam necessários 178 bilhões de reais de investimentos nos próximos vinte anos para corrigir o déficit e atender a demanda futura. Ou seja, 8,9 bilhões de reais por ano até 2024. "Só que neste ano, o Governo apesar de ter melhorado a estrutura e priorizado o tema foram investidos apenas 1 bilhão de reais", denuncia Costa.

Enchentes, desafio urbano

O professor Jan Bitoun tratou de um assunto que aflige a maioria das grandes cidades brasileiras: as enchentes. Segundo o especialista, que atua no Departamento de Ciências Geográficas da Universidade Federal de Pernambuco, o manejo das águas pluviais é hoje o centro do desafio ambiental urbano. "A rede hidrográfica de uma cidade deve ser tratada com a mesma importância de uma rede viária. A drenagem urbana regula a vida da cidade e influencia na saúde da população, na qualidade de vida, no tratamento de resíduos e inclusive na regularização fundiária e urbanística", explica.

De custo elevado e pouco visível aos olhos dos eleitores, as obras de drenagem urbana têm sucessivamente sido evitadas pelos dirigentes políticos. Mas, o problema cumulativo causado pelo descaso e falta de investimentos, tem levado a própria população a exigir investimentos nessa área. Este foi o caso das cidades de Recife e Porto Alegre que incluíram no último orçamento participativo as obras contra enchentes como prioridades. "Saneamento básico e tratamento da rede hidrográfica é básico. E é só isso que a população começa a exigir, ficar fora da lama".

No entanto, o especialista aponta um descompasso no campo técnico. Segundo Bitoun, não há profissionais suficientemente habilitados para realizar obras eficientes de drenagem urbana. "Precisamos avançar no campo técnico e oferecer soluções práticas para os municípios", diz Bitoun adiantando que no Recife o município assinou convênio com a Universidade de Engenharia para a formulação do projeto de drenagem urbana. "Já é um primeiro passo. Precisamos começar a fazer uma engenharia ambiental de prevenção e não só de recuperação de áreas degradadas", conclui

Compromisso dos profissionais

O engenheiro sanitarista Bertoldo Silva Costa, que também é Conselheiro Federal por Santa Catarina, chamou os profissionais vinculados ao Confea em todo o país a refletirem sobre como o Sistema Confea/Crea pode contribuir efetivamente para a mudança de paradigmas no modelo de gestão social dos programas de saneamento ambiental. Segundo ele a gestão urbana deve ser vista como prioridade pelo sistema, uma vez que as intervenções estejam baseadas no conceito de responsabilidade compartilhada. A proposta lançada pelo conselheiro foi a criação de uma Câmara Técnica especializada em obras de saneamento e meio ambiente. "Sou realista e sei que o Brasil não vai, de novo, atingir as suas metas de obras de saneamento ambiental. Ou repensamos em conjunto tudo isso ou o país fracassa".

Karin Verzbickas