Especialistas discutem soluções para o déficit de 7 milhões de moradias no Brasil

São Luís (MA), quinta-feira, 2 de dezembro de 2004.

Enquanto faltam moradias para sete milhões de famílias há pelo menos cinco milhões de unidades habitacionais sem utilização no País. São casas sem o "Habite-se", unidades não comercializadas ou de veraneio que poderiam sanar mais de 80% do problema de moradia brasileiro.

O déficit habitacional urbano brasileiro, segundo dados da Fundação João Pinheiro-MG, é de 5,9 milhões de unidades, enquanto que na área rural a demanda é de 1,1 milhão. No total, sete milhões de unidades habitacionais estão faltando no País. A maior concentração da demanda é nas regiões Sudeste e Nordeste que, juntas, somam 73% das necessidades brasileiras. O grande contraste desta realidade é que, segundo dados do próprio IBGE, existem pelo menos cinco milhões de moradias desocupadas nas grandes cidades brasileiras. Estes dados foram apresentados no Painel 'Nossas Cidades: Desafios Habitacionais", com participação de três especialistas na área habitacional: o arquiteto e urbanista Ângelo Marcos Vieira de Arruda, o geógrafo Ulisses Franz Bremer e o professor e fundador da Universidade de Brasília (UnB), Lucídio Guimarães Albuquerque.

Um destaque estatístico que merece atenção é que da estimativa de 15 milhões de brasileiros que não dispõem de moradia digna, 92% deles estão inseridos em famílias cuja renda familiar não chega a cinco salários mínimos. Isto é, pessoas sem qualquer capacidade de endividamento ou de disponibilização de recursos próprios para entrarem nos programas de habitação popular. "Este é o dado agravante e que mostra que os mecanismos utilizados até aqui não vão resolver o problema. O que se tem feito é remediar a situação. E remediar é fácil, resolver é difícil", alertou o professor gaúcho e também geógrafo Ulisses Franz Bremer. O especialista Ângelo Marcos Vieira Arruda concorda sobre a gravidade da situação."O grande desafio é saber de onde virão os recursos para zerar o déficit. Trata-se de uma faixa da população sem condições mínimas de participar financeiramente".

Além do processo construtivo ainda complexo e da desarticulação das comunidades, os programas de habitação popular - desenvolvidos pelos governos ou por outras organizações como os Creas, por exemplo - esbarram num outro obstáculo: o alto preço das terras nas metrópoles, estimulado pela especulação imobiliária. Segundo Vieira Arruda, a participação recomendada do valor do terreno no custo final de um empreendimento habitacional deve estar entre 6 e 7% do valor total. No entanto, em grandes metrópoles como São Paulo, o peso do terreno mesmo que localizado em bairros distantes do centro, nunca é inferior a 30%, o que segundo o especialista inviabiliza uma série de projetos habitacionais. "Esta estrutura fundiária associada à ilegalidade urbanística são os dois grandes aliados do déficit habitacional urbano", comenta.

Com 70 milhões de pessoas morando nas metrópoles brasileiras e com um crescimento populacional exacerbado - nos últimos dez anos a população das maiores cidades brasileiras cresceram 30% - os especialistas não vêem soluções em curto prazo e apontam a prática do Estatuto das Cidades e a implementação de programas para dar sustentabilidade às cidades, como os principais instrumentos de mudança. "Precisamos de soluções inovadoras e compartilhadas com as várias regiões brasileiras, precisamos fazer uma fusão dos recursos disponíveis e não deixar que cada prefeitura ou governo faça seu programa separadamente e de forma dispersa e, por fim, precisamos estimular parcerias e ações cooperativadas para otimizar os recursos e o tempo", acredita o geógrafo Ulisses Bremer.

"Cidade sustentável deve crescer para o Centro e não para a periferia"

Os novos conceitos adotados pelos especialistas em habitação apontam para o procedimento de que uma cidade sustentável deve crescer para o Centro de uma cidade e não para a periferia. Isto é, ao mesmo tempo em que se deve desestimular a ocupação irregular das áreas adjacentes aos grandes centros urbanos, é preciso reocupar as áreas centrais, reativando centros históricos e reocupando antigos prédios e áreas abandonadas por fábricas e outros equipamentos urbanos desativados. Outro conceito que vem sendo aplicado desde o evento mundial de habitação, o Habitat 2002, é de que é imprescindível considerar os saberes tradicionais e as técnicas locais de construção de programas habitacionais de lugares distantes dos centros. "Antes se construía o mesmo modelo de casa popular no Amazonas, com temperatura média de 39ºC, também na Serra Gaúcha,onde neva no inverno, sem levar em consideração o clima, a cultura e o conhecimento das populações acerca dos materiais que poderiam ser utilizados", diz Vieira Arruda.

O professor e fundador da UnB, Lucídio Guimarães Albuquerque, alertou para a densidade demográfica extrema que é apontada para a partir dos próximos 30 anos em todo o planeta. Segundo dados trazidos pelo professor, atualmente dos 6,6 bilhões de habitantes do planeta, 5,8 bilhões já estão vivendo em cidades e já existe uma densidade demográfica de 105,56 hab/km2. "Em 2050 seremos quase 9 bilhões sobre uma área habitável no planeta de apenas 90 milhões de km2. SE não estamos conseguindo atender as demandas sociais, ambientais, culturais e de moradia dessa população, será que conseguiremos depois?", conclui.

Karin Verzbickas