Sociedade ameaçada pelo fim dos conselhos profissionais

A desregulamentação profissional é uma consequência da Proposta de Emenda Constitucional 108/2019, apresentada no Congresso Nacional pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, em julho deste ano. A PEC 108 pretende mudar a natureza jurídica dos conselhos profissionais de autarquias para entidades de direito privado, e desobrigar o registro do profissional. Isso significa, na prática, uma permissão para que pessoas não habilitadas prestem serviços especializados à população, uma vez que a medida inviabilizaria a fiscalização do exercício profissional, atividade-fim dos conselhos. Essa possibilidade traz sérios prejuízos à sociedade, colocando em risco a preservação e proteção da vida.

Hoje, para que profissionais como engenheiros, médicos, contadores, químicos, entre outros, atuem, é preciso o registro nos seus respectivos conselhos. Esses órgãos são os responsáveis por fiscalizar a presença do  profissional, com formação adequada e atribuições específicas, à frente dos serviços. O Sistema Confea/Crea regulamenta, verifica e fiscaliza  o exercício profissional da engenharia, da agronomia, da geologia, da geografia e da meteorologia. Com o fim da obrigação do registro de profissionais e empresas, qualquer pessoa poderia, por exemplo, construir um prédio sem observar os parâmetros mínimos de segurança ou mesmo sem se preocupar com a economicidade da obra. A instalação e a manutenção de um elevador não precisaria ser feita por um profissional habilitado que conhece as normas técnicas a serem seguidas. A aplicação da dosagem correta de um agrotóxico em uma plantação de alimentos poderia ser realizada por qualquer pessoa e não por um agrônomo, que é o profissional indicado para esse tipo de atividade. 

Não podemos retroceder décadas, quando as figuras de práticos ou de aventureiros, que não tinham formação, eram comum no atendimento à população. Sem essa regulação, como propõe a PEC 108/2019, haverá uma precarização dos serviços e a insegurança será generalizada. O mercado, por si só, não dará conta de fazer esse tipo de regulação, que tem como foco o bem-estar social e humano. 

A tentativa de desmantelar os conselhos profissionais encontra eco no atual momento em que o Brasil atravessa. O questionamento sobre o “tamanho” do Estado ganha força quando fatos que desestabilizam instituições consolidadas, como Executivo, Legislativo ou mesmo Judiciário, tornam-se corriqueiros. Isso gera uma crise de confiança que põe em questão tanto a credibilidade quanto a eficácia dessa regulação. No entanto, para uma sociedade que se quer avançada é necessário que as instituições sejam, sim, fortalecidas. O devido reparo dos desvios é imprescindível para a sua sobrevivência, mas, definitivamente, a dissolução dessas organizações não é o caminho.  

O Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Minas Gerais (Crea-MG) não tem medido esforços para aprimorar cada vez mais as suas atividades, buscando ser parâmetro para a prestação de serviço de qualidade. Neste ano, implementamos indicadores de eficácia, eficiência, efetividade para otimizar ainda mais os processos de fiscalização. Reconhecemos ainda que é preciso se modernizar e se adequar ao contexto atual, inclusive com mudança de legislação. Estamos abertos para essas alterações que vêm atender parcela significativa da categoria e da sociedade como um todo. No entanto, a PEC 108/2019 foi proposta de forma unilateral, sem haver qualquer tipo de consulta aos conselhos. Para reverter esse cenário, estamos acompanhando de perto os trabalhos da Frente Parlamentar de Apoio aos Conselhos Profissionais, instalada na Câmara dos Deputados, em Brasília, em agosto de  2019, e da Frente Parlamentar em Defesa dos Conselhos Profissionais, lançada no último dia 21 de outubro, na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), que será mais uma base de enfrentamento contra essa proposta. Somos um órgão fiscalizador e temos a responsabilidade de cumprir o nosso papel atendendo a exigências legais e, sobretudo, promovendo  a segurança da vida das pessoas.

Lucio Borges
Engenheiro civil e presidente do Crea-MG