Recuperação do Rio Doce depende da preservação das nascentes

Colatina, 11 de julho de 2017

“A região sul do Espírito Santo é rica em pesca pela quantidade de nutrientes, diferente do norte. Isso possibilita uma cadeia alimentar vasta, promovendo uma melhor pesca”. A fala é do eng. agr. Henrique Lobo, membro do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Doce, primeiro palestrante desta terça-feira do 3º Preparatório da Engenharia e da Agronomia para o 8º Fórum Mundial da Água, que está sendo realizado em Colatina (ES) até amanhã (12/7). As palestras desta terça-feira também abordaram mudanças climáticas, planejamento, ocupação territorial, agricultura e produção de alimentos.


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Segundo Lobo, nas montanhas a deficiência de água é grande. “Na década de 1940, os municípios de Colatina e Linhares tinham a maior floresta de madeira do mundo, com 450 espécies por hectare. Nos últimos anos, em decorrência dessa extração desenfreada, o solo ficou mais ácido, provocando a perda de animais, em trechos que vão de Guriri até Barra do Riacho”, diz.

O pesquisador mostra o cenário do Doce, pela crescente erosão e baixa capacidade de infiltração. "No ES temos 25% de remanescentes florestais de Mata atlântica, em unidades de conservação. Mas podemos e devemos melhorar, aumentando essa área", revela Lobo.

O assoreamento é outro fator que compromete o rio. “Na década de 1960, o Doce, que antes era navegável, tinha uma média de três metros de profundidade e hoje essa média é de 90 cm. Ou seja, o assoreamento é notório. O Brasil é campeão em assorear, me disse um colega de pesquisa”, comenta.

A atenção especial para as nascentes com a preservação das margens e de topos de morro é essencial, segundo Lobo. “Nossa hidrologia é pobre. Precisamos entender onde estamos vivendo e pisando. É preciso criar caixas secas em morros para melhorar a capacidade de reter água e preservar as nascentes”, revela.

Para Lobo, “vulnerabilidade” é a palavra que descreve a situação de alguns rios do entorno de Colatina, como Panaceia e Santa Joana. "Eles devem ficar intermitentes até 2030, se medidas a partir de agora não forem feitas", finaliza. A expectativa do especialista é de que essa geração recupere e preserve os rios. “Que a nossa geração seja a geração da esperança”, conclui. Acesse o arquivo da palestra.

 

Oceano Atlântico e as chuvas

O metereologista Augusto José Filho destacou em sua palestra a crise hídrica no Brasil e suas tendências e como as nuances climáticas influenciam na manifestação de chuvas. "As mudanças climáticas  devem causar mais desastres naturais e por isso requerem nossa atenção", diz.

A relação entre temperatura e quantidade de água na atmosfera é proporcional,  uma depende da outra, segundo Augusto. "Se a temperatura é baixa a umidade é baixa, e vice-versa", pondera. E o que acontece no Oceano Atlântico afeta as nossas chuvas. De acordo com Augusto, a transpiração do solo e das plantas é vasta no Amazonas e fraca no ES,  reflexo do desmatamento. "A crise hídrica no Sudeste tem reflexo no esfriamento do Oceano Atlântico,  que provocou menos evaporação no Amazonas e, assim, a redução de chuvas na região", reforça. Acesse o arquivo da palestra.

 

Planejamento estadual

No início da tarde, a bióloga e doutora em oceonografia ambiental Mônica Amorim Gonçalves, assessora da Agência Estadual de Recursos Hídricos do Espírito Santo, apresentou como o estado se planeja na gestão da água. “Ontem, ouvimos na solenidade de abertura que o uso da água deve ser empregado como ferramenta de governança democrática. Isso significa que temos de conciliar interesses distintos em relação ao recurso”. Segundo Mônica, diversos setores já discutem a água no âmbito econômico e de desenvolvimento.

Mônica apresentou as características e a metodologia utilizada na elaboração do Plano Estadual de Recursos Hídricos do Espírito Santo (PERH), segundo ela, um projeto estruturante, atualmente na fase de diagnóstico. “Esse é um processo de planejamento político, baseado em conhecimentos técnicos”. A bióloga explicou que diversos setores tomam as decisões conjuntamente, a partir da base técnica. Essa, segundo ela, é a parte política do processo: conciliação dos interesses. “Os instrumentos são elaborados de forma participativa”. Ela defendeu que a mobilização social deve ser um processo permanente. “Comunidade, comitês de bacias hidrográficas e demais setores têm de  participar do processo de planejamento, que é vivo, dinâmico, em constante construção”. Acesse o arquivo da palestra.

 

Outra visão

Segundo palestrante da tarde, o presidente da Sociedade Espiritossantense de Engenheiros Agrônomos (Seea), Geraldo Ferreguetti, ofereceu um ponto de vista diferente daquele defendido na solenidade de abertura do evento. “Penso ser o acidente de Mariana pequeno perto da realidade dos 6 milhões de hectares degradados na Bacia do Doce”. 

Especialista em uso racional da água na agricultura, Ferreguetti iniciou sua apresentação citando dado de uma pesquisa de 2008: 86% da pegada hídrica da humanidade advém do setor agropecuário. A relevância de se discutir esse dado no presente evento se dá uma vez que a economia do Espírito Santo é pautada pelo setor. “Vivemos em um estado que depende da agricultura, e a agricultura depende da irrigação. Em 2/3 do nosso território, a quantidade da água que se perde por evaporação é maior do que da água que chove”, alertou.

Como exemplo, ele mencionou a histórica enchente de dezembro de 2013 no estado, quando o país voltou a atenção para os capixabas. Porém, de janeiro a novembro do mesmo ano, os índices pluviométricos se mantiveram abaixo da média. “Esses acontecimentos pontuais mascaram os dados do resto do ano, de baixo índices de chuva”. Ferreguetti comentou que, de lá para cá, a produção agropecuária do estado reduziu drasticamente. “Isso é preocupante, pois 30% do PIB do Espírito Santo vem do café, sem contar as outras culturas”. Acesse o arquivo da palestra.

 

“Tem água, tem solução”

Com uma visão mais otimista, o engenheiro químico pesquisador da Embrapa José Dilcio Rocha ministrou palestra sobre a gestão territorial dos recursos hídricos e sobre a sinergia entre água, energia e produção de alimentos. Para ele, a inserção da gestão da água na discussão sobre o combate à fome no mundo deve se iniciar em casa. “Temos que levar ao cidadão comum o que debatemos aqui. No momento em que comemos, temos que refletir ‘de onde vem esse alimento?’. Estamos perdendo o feeling, as crianças acham que o leite vem da caixinha. Podemos viver no asfalto, mas temos que saber de onde vem a comida e quais são os recursos utilizados para produzi-la”.

Rocha lembrou que 13,7% da água doce do mundo está no Brasil e ele acredita ser por isso que o país está desatento para o tema. “Quando temos tudo em abundância, não pensamos em escassez, em vacas magras que poderão vir, e isso pode ser um grande prejuízo para as próximas gerações”. Ele explicou que a forma natural como a água está distribuída no Brasil é diferente da dinâmica de ocupação do território - 70% da água doce do país está concentrada na região amazônica, que é pouco populada. “O problema não é a quantidade, e sim a gestão desse recurso”, disse. Acesse o arquivo da palestra.

Beatriz Leal e Fernanda Gomes
Equipes de Comunicação do Confea e do Crea-ES