Brasília, quarta-feira, 28 de abril de 2004. Diferente do que alguns pensam, a formação muito especializada, voltada a áreas bem delimitadas do conhecimento não é o principal fator para o desenvolvimento de um corpo capacitado de profissionais. Antes disso, acredita o conselheiro nacional de educação, Roberto Cláudio Frota Bezerra, é indispensável priorizar uma sólida formação básica. Ele apresentou palestra sobre os novos paradigmas da educação no Brasil durante o primeiro dia da plenária ordinária 1321 do Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (Confea), que acontece em Brasília de 28 a 30 de abril."Um estudante universitário de qualquer das áreas da engenharia precisa saber muito bem matemática e física para depois se dedicar a estudos mais específicos", sentencia Bezerra, que é professor, engenheiro agrônomo e ex-reitor da Universidade Federal do Ceará. O que parece óbvio, no entanto, vem sendo aplicado de maneira duvidosa em muitas instituições de ensino no país, denuncia ele. "Conheço exemplos de cursos que extinguiram disciplinas básicas por conta do alto grau de reprovação", conta. "Assim, formam-se engenheiros, arquitetos, médicos e outros profissionais que não conhecem o fundamento de sua matéria". A conseqüência, pontua ele, é uma massa profissional pouco criativa, metódica e que não consegue fugir à simples repetição de modelos instituídos.Entre outros assuntos, Bezerra traçou um histórico da Lei de Diretrizes e Bases (LDB), de 1996, que redireciona a estrutura das esferas da educação no país. Segundo seu discurso, a explosão do desenvolvimento tecnológico no início da década de 90, com o advento da Internet, novos horizontes da comunicação e o paulatino rompimento de fronteiras, trouxe também outros rumos para a educação. "Hoje, o conhecimento é o bem mais valioso e o investimento em educação, uma garantia de retorno econômico: quem sabe mais gera produtos e know-how com maior valor agregado", explica.Abismo - Nesse âmbito, o professor fez uma avaliação do sistema de ensino brasileiro, seus problemas e implicações. Para ele, a desigualdade regional - refletida em todos os aspectos da organização sócio-econômica do país - gera abismos difíceis de serem rompidos. "A defasagem das regiões Norte e Nordeste, especialmente a segunda, acaba desembocando na precariedade da educação", diz. Conforme Bezerra, a falta de acesso ao conhecimento, por sua vez, engessa o desenvolvimento humano e forma-se, então, um imenso círculo vicioso. "É preponderante exercer políticas públicas que priorizem medidas compensatórias da desigualdade regional", encerra.Bezerra citou o sistema de avaliação do ensino superior como uma forma de diagnosticar esses problemas e vislumbrar soluções, pelo menos na esfera da educação universitária. Ele admite as falhas do antigo modelo, do qual fazia parte o conhecido "provão", mas acredita que já foi um avanço. "Não há dúvida de que se despertou para a questão da qualidade da formação", comenta. "Mas também não pode ser como estava: o governo, que regulamenta e supervisiona os cursos não pode fiscalizá-los. Tal método é, no mínimo, duvidoso", reitera o engenheiro, ao propor que a avaliação seja feita por uma instância pública, mas independente. Como alternativa para a melhora da qualidade dos cursos, Bezerra sugere a maior participação dos conselhos profissionais em suas respectivas áreas de atuação. Ele acredita que universidades e entidades representativas devem se aproximar e pensar juntas soluções para a boa formação. "Os caminhos são claros: flexibilização curricular, autonomia didático-pedagógica, incorporação das realidades nacionais e regionais aos programas. Precisamos, no entanto, discutir as melhores soluções para chegar até lá".A ponta do iceberg - "A questão universitária, no entanto, ainda é o uma pequena fração do problema da educação brasileira", admite Bezerra. Hoje, o acesso ao ensino fundamental e médio de qualidade configura o principal desafio nesta área. "Mesmo com todos os problemas que enfrenta a educação superior, chegar à universidade no Brasil é um privilégio", reitera ele. A discussão do acesso, de acordo com o professor, deve ser ainda muito debatida: "para mim, a dificuldade está no âmbito sócio-econômico, não adianta falar em cotas para etinias". A relação entre poder aquisitivo e educação básica de qualidade está nítida para ele. Ou seja, quem pode pagar uma escola particular durante o fundamental e o médio tem mais chances tem mais chances de entrar nas melhores universidades, geralmente as públicas. Bezerra dá um exemplo dessa discrepância: "quando eu era reitor da Federal do Ceará, num determinado ano, entraram 150 para o curso de medicina. Apenas dois vinham de escolas públicas". Gustavo Schor - Da equipe da ACOM
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