Brasília, 14 de março de 2025.
Entre diversas iniciativas que buscaram impactar a pandemia de covid-19, entre 2020 e 2023, o capacete Elmo, criado no Ceará, por uma equipe multiprofissional, foi uma das mais bem sucedidas. No quinto ano do início da tragédia sanitária - que, apenas naquele período, matou mais de 700 mil brasileiros, inclusive muitos profissionais do Sistema -, conversamos com alguns dos desenvolvedores do projeto, premiado pela Confederação Nacional da Indústria – CNI, ainda em 2022, como o melhor case de inovação do Brasil, durante o Summit Senai P&D+ Impacto. O projeto conquistou 60% dos 25 mil votos de todo o país naquele que é considerado o maior evento da inovação da América Latina.

Superintendente do Sesi-CE, eng. Paulo André Holanda; superintendente de inovação da CNI Jefferson Gomes e gerente de operações da empresa Esmaltec, eng. Rendex Ribeiro receberam a premiação da CNI pelo capacete Elmo: inovação multiprofissional cearense no enfrentamento da covid-19
Apesar do impacto de iniciativas como essa e do aumento da vacinação, a covid-19 já levou a 761 óbitos no país até 1º de março de 2025, menos da metade das mortes registradas no mesmo período no ano anterior (1.536 óbitos). As secretarias de Saúde dos Estados notificaram 74.797 óbitos em 2022; 14.785 óbitos em 2023 e 5.959 óbitos em 2024. “Os pacientes em estado intermediário usavam em média de 4 a 10 dias. Deles, 60% não precisavam ser entubados, uma média registrada desde os 10 primeiros testes, no hospital Leonardo da Vinci. Dos pacientes entubados, 75% iam a óbito”, relata o engenheiro civil Paulo André Holanda, diretor regional do Senai-CE e um dos coordenadores do projeto, citando que o Hospital Regional da Unimed, em Fortaleza, criou uma ala só para o uso do capacete Elmo.

No início do mês, a secretária de Vigilância em Saúde e Ambiente (SVSA) do ministério da Saúde, Ethel Maciel, reforçou que as medidas de prevenção continuam extremamente relevantes, considerando que o SARS-CoV-2, especialmente em conjunto com outras condições ou fatores de risco, pode levar ao agravamento da doença. “Embora os números estejam diminuindo ao longo dos anos, a doença continua causando a perda de vidas na população brasileira, além de consequências graves como a síndrome inflamatória multissistêmica pediátrica. Por isso, é importante que as pessoas continuem atentas aos cuidados necessários para prevenir casos graves e óbitos pela covid-19”, destacou no site do ministério.

Reconhecimento
O Elmo foi idealizado pelo superintendente da Escola de Saúde Pública do Ceará (ESP/CE), o médico pneumologista Marcelo Alcântara. “Não basta apenas ter a ideia, fazer o protótipo, os testes, realizar o trabalho, publicar cientificamente, ter a aprovação da Anvisa, de todas as instâncias. Mas também participar dessa vida social é crucial para que a inovação tenha o máximo de alcance. Isso é algo marcante também dentro da história do Elmo. E por isso, eu dou esse depoimento, pela satisfação que estou vivendo junto com todo mundo que participou do processo. A nossa votação expressiva mostra, junto aos comentários espontâneos que vemos na internet [de quem usou o Elmo], que, de fato, tocamos a vida de muita gente. Isso é muito sério, importante”, disse o médico na ocasião.
O capacete Elmo resultou de uma parceria público-privada que envolveu o Governo do Estado e a Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa), por meio da Escola de Saúde Pública do Ceará (ESP/CE), Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap), além de Federação das Indústrias do Ceará (Fiec), com o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai Ceará), Universidade de Fortaleza (Unifor), Universidade Federal do Ceará (UFC) e apoio do Instituto de Saúde e Gestão Hospitalar (ISGH) e da Esmaltec.

Odisseia para salvar vidas
Diretor Regional do Senai-CE e Superintendente do Sesi-CE, o engenheiro civil Paulo André Holanda descreve, ainda emocionado, todo o processo de elaboração e uso do equipamento, hoje não apenas para o cuidado com a covid-19, mas para outras indicações de insuficiência respiratória. “O maior legado foi a gente poder ter uma estatística, feita pelo doutor Marcelo Alcântara, tendo a certeza de que a gente salvou mais de 35 mil vidas. A gente enfrentou toda uma odisseia com o resultado altamente favorável”, diz, representando ainda menos gastos com a internação hospitalar e a mão de obra.
Cinco dias após o “lockdown” ter sido estabelecido no Ceará, em 19 de março, foi formado um grupo estratégico de trabalho, liderado pelo reitor da Universidade Federal do Ceará (UFC), Cândido Albuquerque, pelo presidente da Federação da Indústrias do Ceará (Fiec), Ricardo Cavalcante, e pelo representando o grupo Edson Queiroz, Edson Queiroz Neto. “Dois dias depois, foi criado um grupo de trabalho técnico-operacional do Elmo, formado por mim, pelo médico Marcelo Alcântara; pelo engenheiro civil Jorge Soares, representando a Funcap (Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e pelo Vasco Furtado, representante da Unifor”.
Foram então abertas duas unidades do Senai, durante o “lockdown”, no Centro de Fortaleza e no Instituto Senai Sesi de Tecnologia e Inovação, em Maracanaú, município da região metropolitana de Fortaleza. “Criamos o Laboratório Elmo, simulando uma UTI, construído pelo Senai-Fiec, equipado com monitores multifrequencia, cilindros de ar medicinal e oxigênio, equipamentos de respiração assistida. Se não fosse toda a equipe, não rodava. No Instituto, foram desenvolvidos os oito primeiros protótipos que eram testados no laboratório”.

Paulo Holanda conta que a iniciativa idealizada pelo médico Marcelo Alcântara sugeria adaptações ao capacete Hemult, criado por especialistas italianos e utilizado anteriormente sem todas as especificações estipuladas pela gravidade da pandemia. “Na covid, se exigia que os filtros (HME e Hepa) ‘matassem’ o vírus quando fizesse a expiração. Marcelo sugeriu e fomos atrás do fornecedor da resina, com uma carta do governador para poder abrir as portas. A parte que é de PVC foi conseguida inicialmente em uma indústria de brinquedos de diversão infantil, pula-pula. Depois, foi desenvolvido pelo Laboratório de Química do Instituto Senai o látex e um molde para que se adaptasse ao pescoço”.
Tentativa e erro e a experiência de cada um dos envolvidos na equipe multiprofissional contaram para o sucesso da iniciativa. “Até o final, foram 32 dias nos revezando de manhã, de tarde e de noite para testar os oito protótipos. Contratamos um engenheiro mecânico de fluidos para monitorar a intensidade e a velocidade da entrada do ar medicinal e do oxigênio, por meio de uma válvula, a ‘´válvula Peep’, que possibilitava que o paciente expirasse passando pelas válvulas”, diz, a respeito do trabalho conduzido pelo engenheiro mecânico João Furlan Duarte.

“Minha atuação era todo dia coordenar a equipe técnica do Senai e também as decisões estratégicas com o grupo de trabalho. Da ideia à execução, foi uma odisseia, dias ininterruptos. A experiência como engenheiro para coordenar uma equipe multidisciplinar e mesmo como engenheiro civil acabaram ajudando pela própria profissão, na concepção, junto com o doutor Marcelo. Foram feitos inúmeros testes para que não contaminasse, por meio de monitores com sensores, detectores de CO2. Logo depois, contamos também com a contribuição do engenheiro clínico Davi Guabiraba, que era coordenador da central de monitoração de ventiladores do Senai”, diz Paulo André Holanda.
O equipamento teve seu pedido de patente aceito pela Anvisa em 50 dias. “Os primeiros 1000 Elmos foram produzidos pelo Instituto Senai de Tecnologia para hospitais públicos e privados municipais e estaduais. Era inicialmente produzido na Sala Limpa do Senai e distribuído para esses hospitais. Depois a Esmaltec produziu 11.500, que foram distribuídos para pelo menos 12 estados, com profissionais sendo capacitados pela Escola de Saúde Pública”, aponta o engenheiro civil, informando ainda que o Elmo continua sendo usado para pacientes com insuficiência respiratória.
Mecânica dos fluidos
Professor do curso de Engenharia Mecânica e do Programa de Mestrado e Doutorado em Informática Aplicada da Unifor, Furlan estava concluindo o curso de Engenharia Mecânica em 2020, quando topou com o desafio do Elmo. Físico de formação, mas então já com grande experiência na área de Engenharia Mecânica, com ênfase em transferência de calor, processos térmicos e termodinâmicos, ele participou desde o início do projeto Elmo. “A intenção era que os gases contaminados não escapassem do capacete. Foi uma experiência maravilhosa e complicada, gerenciando todas essas áreas para trabalharem juntas. Foi muito bonito e relevante no Ceará”.
Ele considera que a atuação da engenharia clínica também foi fundamental, devido a sua noção dos equipamentos e de engenharia. “Todos foram fundamentais, tanto é que o Elmo foi efetivo”, diz, descrevendo que sua maior preocupação, compartilhada como designer industrial Hebert Lima, foi em definir os materiais que poderiam ser utilizados no invólucro para manter a pressão necessária para o paciente e os gases não escapassem pelo colarinho. “Foram vários tipos de látex, indo para as oficinas, apesar do medo da contaminação”.

Sobre o desafio de estar concluindo o curso de Engenharia Mecânica, João Furlan Duarte conta que isso também o ajudou a manter-se ocupado. “Atuo desde 2005 como consultor da Nacional Gás. Sempre trabalhei com Engenharia Mecânica e resolvi fazer a graduação. As duas formações contribuíram muito para esse projeto de análise de estanqueidade, mecânica dos fluidos, como os gases se comportam”.
Amigos e parentes seus usaram e o agradeceram pela contribuição com o capacete. “Foi uma convivência muito harmoniosa, para a situação. Já vínhamos de experiências e no caso do Elmo, essa convivência foi muito harmoniosa com o propósito. O doutor Marcelo Alcântara foi muito importante para o desenvolvimento”, descreve Furlan. A experiência também continua sendo útil atualmente. “Trabalhamos outros equipamentos de medicina, tudo vindo dos ensinamentos do Elmo. Por exemplo, um assistente médico via internet com inteligência artificial em que o paciente relata seus problemas. Passa para o médico dar diagnóstico com esse auxiliar”, diz, sobre o projeto em desenvolvimento pela Unifor, com as áreas de ciência da computação, Engenharia Mecânica e Medicina.
Henrique Nunes
Equipe de Comunicação do Confea
Agradecimentos: Anézia Gomes, coordenadora de Jornalismo da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec).