Brasília, 14 de abril de 2023.
A escassez de recursos hídricos no planeta motivou o Sindicato Nacional dos Peritos Federais Agrários (SindPFA) a apresentar uma proposta de tecnologias sociais de acesso à água para a agricultura familiar, aprovada durante o 11º Congresso Nacional dos Profissionais do Sistema Confea/Crea e Mútua (CNP), realizado de 6 a 8 de outubro do ano passado, em Goiânia. Com a atuação direta de profissionais do Sistema, as soluções do problema mobilizam a Organização das Nações Unidas (ONU), que estipula a destinação para a irrigação de cerca de 70% da água extraída de rios, lagos e aquíferos e registra uma redução “alarmante” das reservas de águas subterrâneas em todo o mundo. Com 40% da população mundial já sofrendo as consequências da escassez hídrica, o tema é destacado pela Agenda 2030 entre os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável – ODS (2015-2030).
Com 12% da água doce superficial do planeta, o Brasil tem na má distribuição de seus recursos hídricos uma ameaça a seu uso. Acrescido às queimadas disseminadas pelo país nos últimos anos, o problema já atinge agricultores familiares em todas as regiões. O Brasil tem quatro milhões de propriedades familiares, segundo o último Censo Agropecuário. Segundo a proposta do SindPFA, soluções ambientalmente sustentáveis vêm sendo promovidas por meio de tecnologias sociais sustentáveis, como a captação da água da chuva, uso de cisternas, bacias de contenção de enxurradas (conhecidas como “Barraginhas da Embrapa” e “Barraginhas do Pantanal”), lagos de uso múltiplo, biofossas e recuperação de nascentes, entre outras iniciativas de baixo custo, adaptadas a contextos de vulnerabilidade social e ambiental.
Entre as iniciativas para a resolução de problemas de escassez e garantia da segurança hídrica no país, há projetos desenvolvidos no semiárido, na Amazônia e no Mato Grosso. Complementando esses estudos, a educação ambiental, a extensão rural e o saneamento básico também têm sido valorizados paralelamente.
Experiências consolidadas
A proposta apresentada ao Sistema Confea/Crea é fruto de um conjunto de iniciativas consolidadas desde 2009, caso da implementação de tecnologias sociais e educação ambiental em comunidades do Alto Pantanal Mato-Grossense, sob a liderança da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e o desenvolvimento do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), reconhecida por instituições como a Agência Nacional de Águas (ANA).
Coordenada pelo perito federal agrário eng. agr. Samir Curi, a iniciativa embasou a proposta e considera que as estratégias para acesso à água devam ser adaptadas ao meio rural, “onde a densidade populacional é baixa, a renda é intermitente e há alto consumo na produção agrícola (como o consumo animal de água)”, priorizando intervenções simples e de baixo custo, adaptadas a esses contextos de vulnerabilidade e que promovem o acesso à água para consumo humano, atividades escolares e atividades produtivas no meio rural, atingidas por secas, estiagens ou falta regular de água.
Segundo Samir, oferecer soluções efetivas para que famílias e comunidades isoladas possam acessar água de qualidade e em quantidade adequada é outra meta das ações desenvolvidas para a garantia da segurança hídrica das diversas populações de escolas do campo e de agricultores familiares da região por meio da aplicação de Tecnologias Sociais Sustentáveis.
O engenheiro agrônomo exemplifica que, entre as principais inovações na questão do acesso à água para as comunidades do bioma cerrado, podem ser citadas: a substituição de bombeamento de poços artesianos, córregos, rios e adutoras(“sistemas tradicionais ineficientes”) por utilização de cisternas, lagos de múltiplo uso, barraginhas e outras formas de captação de água de chuva nos telhados das casas, escolas na microbacia como um todo; substituição do modelo de saneamento urbano com rede coletiva por sistema individualizado e descentralizado de saneamento rural; incentivo à produção de espécies nativas, ao invés de plantas exóticas como a soja, e o incentivo à agroindústria existente na área com produtos das espécies nativas (como pequi e cumbaru) para o atendimento da merenda escolar por meio do Programa de Aquisição de Alimentos da Conab.
“A captação de água da chuva não tem custos e ela é utilizada para uso doméstico, em atividades educativas e produtivas. A captação de água das enxurradas prolonga a umidade do solo na microbacia e aumenta o nível de água nas cacimbas. Os resultados esperados são a melhoria na renda familiar e geração de novos empregos. Além disso, as tecnologias sociais podem ser reaplicadas em comunidades rurais de dezenas de municípios brasileiros, considerando o capital existente nas diversas localidades, como opção para a solução de problemas relativos ao meio ambiente, ao setor econômico, social, cadeia produtiva, geração de emprego e renda, promovendo a justa remuneração e o acesso do trabalhador aos benefícios do aumento da produtividade e ao bem-estar coletivo, com empoderamento e autonomia dessas comunidades”, destacou a proposta do SindPFA, aprovada pelo CNP.
Barraginhas do Pantanal
Segundo Samir, ex-professor de Irrigação e Hidráulica no curso de Agronomia do Centro Universitário de Várzea Grande (Univag), uma das iniciativas de sucesso em torno da redução da escassez hídrica no país são as “Barraginhas do Alto Pantanal”, criadas pela Embrapa e implantadas pelo Incra e parcerias, em Mato Grosso, estado com 100 mil famílias atuando na agricultura familiar. Com baixo custo de instalação e resultados já reconhecidos, inclusive pela Agência Nacional de Águas (ANA), o projeto beneficia 160 famílias de pequenos agricultores e duas escolas do campo (uma escola Estadual de nível médio e uma escola municipal de nível básico), além de atividades domésticas e relacionadas à agricultura familiar, como a piscicultura e a pecuária de leite. “A água de chuva é captada do telhado e na microbacia a custo zero de forma simples e de fácil replicação. Em um estado em que a superfície de água foi reduzida em 50% nos últimos 35 anos, segundo o MapBiomas, as Barraginhas proporcionam qualidade de vida e vantagens econômicas a muitas pessoas”, descreve Samir Curi.
A tecnologia social desenvolvida pela Embrapa consiste na construção de pequenas bacias escavadas, distribuídas em locais estrategicamente selecionados, que têm a função de interromper e acumular o escoamento superficial concentrado da bacia hidrográfica. Esta intervenção controla os processos erosivos, promove o aumento da infiltração de água e da umidade do solo e consequentemente melhora a recarga dos aquíferos. A conservação do solo, o aumento da disponibilidade hídrica superficial e subterrânea e a mitigação dos efeitos das estiagens são alguns dos objetivos atingidos.
O pesquisador associa a escassez hídrica às mudanças do clima e no uso e ocupação da terra, responsáveis pelas variações no balanço hídrico e no armazenamento de água no solo. Como consequência, diz, há um prolongamento do déficit hídrico no período seco e o comprometimento das atividades agropecuárias, o que pode levar à escassez severa de água. “Daí a necessidade de ações que favoreçam o acúmulo e a infiltração de água no solo”, diz Samir Curi, citando que ainda é preciso avaliar a viabilidade de implantação do projeto em regiões de solos rasos e rochas não porosas; capacitar técnicos e agricultores na implantação da tecnologia, além de elaborar protocolo com orientações práticas para identificação de locais apropriados para instalação da barraginha e opções de métodos construtivos para diferentes tipos de solo e declividades do terreno.
Entidades parceiras realizadoras do Projeto Barraginhas do Pantanal
Associação de Produtores Rurais do PA Rancho da Saudade – Cáceres (MT)
Consórcio Nascentes do Pantanal (São José dos Quatro Marcos)
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa)
Empresa Matogrossense de Pesquisa, Assistência e extensão Rural (Empaer)
Escola Estadual 12 de Outubro, Agrovila Nova Esperança (Cáceres-MT)
Escola Municipal do Campo Nossa Senhora Aparecida (Cáceres-MT)
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos naturais Renováveis (Ibama)
Instituto de Pesquisa e Educação Ambiental do Pantanal “Gaia”
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra)
Juizado Volante Ambiental de Cuiabá (Jovam Cuibá)
Justiça Estadual de Cáceres
Justiça Federal de Cáceres
Ministério Público do Estado de Mato Grosso (MPE-MT)
Ministério Público Federal (MPF)
Prefeitura Municipal de Cáceres
Sansuy S.A Indústria de Plásticos
SEAF – Secretaria de Estado de Agricultura Familiar – MT
Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso (Seduc-MT)
Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat)
Universidade Federal do Estado de Mato Grosso (UFMT)
World Wildlife Fund (WWF)
“Precisamos mudar a forma de nos relacionar com o nosso planeta; estamos convivendo com uma frequência cada vez maior com eventos extremos ligados às mudanças climáticas, como ondas de calor, alagamentos e incêndios florestais e, por outro lado, escassez hídrica. A última década foi a mais quente já registrada, e os principais governos concordam que uma ação coletiva urgente é necessária. Sustentabilidade é a palavra deste século e já estamos chegando ao seu segundo quarto. Por isso, os profissionais da Engenharia, Agronomia e Geociências devem protagonizar as alternativas necessárias para alargar o enfrentamento a essas mudanças, como é o caso desse projeto coordenado pelo colega Samir Curi, que honra a nossa categoria”, destaca o presidente do SindPFA, eng. agr. João Daldegan.
Henrique Nunes
Equipe de Comunicação do Confea
Fotos: Samir Curi/Divulgação