Brasília, 4 de outubro de 2023.
Com uma apresentação do ex-ministro da Defesa e da Ciência e Tecnologia, Aldo Rebelo, o Confea abriu na manhã desta quarta-feira (4/10), o workshop “Atuação da Engenharia, da Agronomia e das Geociências em Questões Ambientais”, simultâneo a uma audiência pública para o atendimento dos objetivos da Comissão Temática de Meio Ambiente do Confea (CTMA). Durante dois dias, o auditório do Centro de Tecnologia da UnB receberá especialistas no assunto, ampliando o debate sobre a temática do desenvolvimento sustentável. A segunda palestra do dia contou com a apresentação do chefe de gabinete do Confea, eng. agr. Luiz Antonio Rossafa, em torno do tema “Ética, Exercício e Exorbitância Profissional: como aprimorar o processo de fiscalização das atividades ambientais pelo Sistema Confea/Crea?”. O evento tem transmissão no canal do Confea no Youtube.
“Sem dúvida, esse evento oferecerá desdobramentos para as profissões abrangidas pelo Sistema Confea/Crea, para a qualificação dos cursos de Engenharia, da Agronomia e das Geociências, para as instituições de ensino, pesquisa e extensão. Nossa expectativa é de que esse seja o primeiro workshop, integrando a agenda dos eventos técnicos a serem promovidos pelo Sistema, pois essa questão que envolve o desenvolvimento sustentável há muito interessa aos profissionais e a toda a sociedade brasileira”, declarou o presidente em exercício do Confea, eng. eletric. Evânio Nicoleit.
Segundo o coordenador da Comissão Temática, eng. agr. Luiz Lucchesi, o objetivo do workshop é “auscultar a sociedade, inclusive aqueles que não estão ligados diretamente ao nosso sistema profissional, mas que podem nos trazer inspiração para nos posicionarmos nas questões que a lei federal nos responsabiliza”. Convidando todos a contribuir com a consulta pública disponível no site do Confea, o conselheiro federal considerou ainda que todos os setores da economia que utilizam recursos naturais e ainda relacionados à ocupação territorial e aos impactos ambientais deverão ser contemplados por estes processos. “Queremos um desenvolvimento ambiental sustentável. Temos atendido às expectativas do mundo na questão do sequestro de carbono, principalmente, por meio da nossa pujante agropecuária. Também desejamos conclamar e congregar o setor educacional da Engenharia, da Agronomia e das Geociências a construir programas de graduação e de educação continuada em harmonia com as demandas do país”.
Pelo Sistema Confea/Crea, além do presidente em exercício Evânio Nicoleit e do coordenador da Comissão de Educação e Atribuição Profissional (CEAP) e coordenador da Comissão Temática Meio Ambiente, eng. agr. Luiz Lucchesi, o dispositivo de honra foi composto ainda pela presidente em exercício do Crea-AC, eng. agr. Lya Beiruth, e pelo coordenador nacional de câmaras especializadas de Engenharia Florestal, representante das coordenadorias nacionais de câmaras especializadas, eng. ftal. Reginaldo Rocha Filho. A mesa de trabalhos foi composta ainda pela professora Olgamir Amancia Ferreira, representando a reitora Márcia Abrahão, e pelo diretor da Faculdade de Tecnologia da UnB, professor eng. mec. Edson Silva.
Geopolítica e políticas públicas
Com o tema “Geopolítica, Legislação e Políticas Públicas: quais as ameaçadas e oportunidades na área ambiental no Brasil?”, o ex-ministro da Defesa, da Ciência e Tecnologia e ex-deputado federal Aldo Rebelo promoveu a primeira palestra do workshop, que ocupa o auditório do Centro de Tecnologia da UnB.
Para ele, o workshop contempla um tema de grande importância para o Brasil: o desafio de combinar proteção ambiental, “uma agenda irrecusável e incontornável”, com direito ao desenvolvimento. “Essa temática talvez seja mais antiga do que talvez imaginemos. Heródoto dizia que a civilização egípcia era um Presente do Nilo. E por quê? Porque a engenharia hidráulica conseguiu solução para disciplinar o uso da água diante das duas estações do Nilo, a da fartura e a da escassez do rio. A engenharia combinou ciência, técnica e criatividade para que aquela sociedade pudesse dispor de água por mais tempo. Então, já havia a preocupação ambiental há milênios antes da era cristã. A engenharia é a reunião desses conhecimentos científicos, técnicos, criativos para propor soluções aos desafios, aos dilemas físicos, mas também sociais e humanos. O Brasil precisa recuperar esse conceito. Todas as sociedades são devedoras da engenharia”, disse, fazendo referência ao sociólogo Gilberto Freyre.
Ao citar o exemplo de fortificações militares responsáveis pela proteção das fronteiras amazônicas, desde o século XVIII, Rebelo considera que “a engenharia militar foi o primeiro grupo a planejar soluções de infraestrutura e de logística no Brasil”. Citando o ex-militar, jornalista e escritor Euclides da Cunha, autor de “Os Sertões”, descreveu que as ferrovias brasileiras haviam sido concebidas pelos engenheiros militares ainda no século XIX.
“Então, a engenharia está ligada à temática do desenvolvimento. Não existe a agenda do desenvolvimento sem a engenharia. E não existe função da engenharia,se não for a do desenvolvimento. Mas as deformações foram aparecendo nesse conceito. Quando você forma um engenheiro ambiental hoje, o senso comum é de que você está formando um militante ambientalista. Não, você não está formando um militante ambientalista! O engenheiro ambiental tem que ter soluções ambientais adequadas para o processo de desenvolvimento. Se não, ele não tem função”, enfatizou Aldo Rebelo.
Ao criticar o que chama de “deformação ideológica”, o ex-ministro afirmou que “o engenheiro florestal não pode ser um abraçador de árvores”. Ele considera que em qualquer país europeu essa atividade busca compatibilizar o uso econômico da floresta com responsabilidade e sustentabilidade. “No Brasil, em função de narrativas ideológicas, estabeleceu-se um princípio de que toda obra de engenharia tem que ser julgada a partir de um tipo de licenciamento, o licenciamento ambiental. Não! Qualquer obra tem que compatibilizar três formas de licenciamento: o ambiental, necessário e importante; o social e o econômico. Se você não equilibrar qualquer iniciativa e qualquer obra com esses três critérios, você não vai fazer nada. Porque qualquer ação humana vai gerar algum tipo de dano. A engenharia tem que calcular o tipo de dano e que tipo de compensação social e humana aquela obra vai trazer”, disse, citando exemplos de conflitos com órgãos ambientais e ONGs em sua experiência enquanto ministro.
Sobre a Amazônia, Aldo a considerou “o epicentro das nossas possibilidades e o epicentro das nossas dificuldades”. Com 30% da biodiversidade mundial, para ele, “a Amazônia é a área mais preservada do mundo”. Apontando a região como a maior fronteira mineral do mundo, ele abordou a questão da exploração de petróleo na margem equatorial, na fronteira com a Guiana. “A pesquisa de petróleo na Guiana começou em 2015. É o petróleo mais limpo que tem. Nesses oito anos, eles já descobriram reservas de 11 bilhões de barris, 75% das reservas brasileiras. Só na margem equatorial da Guiana. Tem uma área da Guiana que é reivindicada pela Venezuela. O ministro das Relações Exteriores há 15 dias, na assembleia geral da ONU, denunciou que os Estados Unidos estão montando uma base militar para que 14 empresas americanas e europeias, lideradas pela Exxon Mobil, explorem em segurança o petróleo da Guiana. E essas mesmas diplomacias, americana e europeia, dizem que explorar petróleo na margem equatorial do Brasil é uma ameaça ao clima do planeta. E nós aceitamos uma monstruosidade dessa”, disse.
Ética e exercício profissional
“Falar de ética às vezes não têm muita relevância porque é algo mais transcendental, fora do mundo real”, comentou o chefe de gabinete do Confea, eng. agr. Luiz Antonio Rossafa, na abertura da palestra “Ética, Exercício e Exorbitância Profissional: como aprimorar o processo de fiscalização das atividades ambientais pelo Sistema Confea/Crea?”.
Após uma analogia com a história de Alexandre, o Grande (356 a.C – 323 a. C) para descrever o universo onde a engenharia atua na trajetória humana, Rossafa discorreu sobre a distinção entre temperamento, traço hereditário, e o caráter, traço construído socialmente, unidos pela formação da personalidade. “A universidade tem um peso relevante nessa construção entre o conhecimento e os valores, essenciais para o engenheiro que vai disputar uma licitação, que vai construir uma obra”, disse, citando ainda a Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas.
Em seguida, apresentou o Código de Ética Profissional da Engenharia, da Agronomia e das Geociências, Resolução Confea 1.002/2002. “Seu eixo está no artigo primeiro da Lei 5.194/1966. O palco do nosso esforço para construir a sociedade está expresso neste artigo que descreve as realizações de interesse social e humano da atuação do engenheiro e do engenheiro agrônomo”, afirmou o chefe de gabinete do Confea.
Ao considerar o aspecto ambiental da atuação profissional, Luiz Antonio Rossafa descreveu que a lei formadora da Engenheira é de 1933, um ano antes do Código Florestal. “Nossa profissão, em 1966, ganha o palco de trabalhar sobre os recursos naturais, mas sob a égide do Código Florestal, o que deveria ter norteado a nossa atitude ética desde sempre. Lá já falava em proteger a mata ciliar, não tirar nascente. Lei nós temos. É que nós não cumprimos. Nós podemos fazer diferente a mesma coisa, mas aí nós temos que ajustar o exercício profissional, o conhecimento científico, com a legislação pertinente ao profissional. Mas nem esse Código, nem o de 1965 eram objeto da formação profissional, embora eles afetem todas as nossas profissões”.
As cobranças da sociedade levaram à construção da Resolução 1.090/2017, que regulamenta o artigo 75 da Lei 5.194/1966, definindo o termo “crime infamante” e suas penalidades. “Desde 1966, ninguém foi julgado por escândalo no Confea. Nós temos que discutir esses valores, temos que discutir essas questões. Porque, quem sabe por omissão da própria organização profissional, muitas coisas de errado aconteceram? Quem sabe as ocupações irregulares, rurais ou urbanas, que podem estar tirando vidas, poderiam ser coibidas por dispositivos inteligentes da nossa própria organização?”, disse, ao justificar a importância da resolução 1.090.
Na visão de Rossafa, o Estado brasileiro delegou aos profissionais do Sistema o poder de julgar-se a si mesmos, caracterizando o conselho profissional como “uma organização fascinante”, nas suas palavras. “Nós cuidamos de nós mesmos. E temos que nos cuidar bem. Temos que fazer mais e melhor a cada dia. Proteger para não perder esse poder de polícia administrativa que deve coibir os excessos, os equívocos, as omissões. E para isso, é preciso uma reconstrução da engenharia em relação à própria estrutura pública, do ponto de vista executivo. Os municípios devem deter, com excelência, uma engenharia do proprietário da própria comunidade. Essa engenharia faz muita falta. É ela que acaba proporcionando a eleição de projetos tecnicamente equivocados com a execução às vezes quase à beira de um escândalo pelos seus erros e danos”, diz.
Boas-vindas
A decana da UnB, Olgamir Ferreira, destacou a importância do evento. “Ter a oportunidade desse diálogo, buscando estabelecer a interlocução entre aquilo que fazemos na universidade, que é a formação sustentada em uma dimensão técnica, associado com o diálogo para fora, com o Confea, eu considero extremamente relevante”, disse, destacando que a reitora justificou sua ausência em decorrência de cumprimento de agenda junto à Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior – Andifes, da qual é presidente. “O workshop tem uma pauta extremamente relevante, no contexto em que nós vivemos, pensando o uso dos bens naturais a partir de um olhar de formulação de políticas que levem em consideração a vida das pessoas e o território, vinculando esse conhecimento às demandas postas pela sociedade, o que está de acordo com os princípios orientadores da prática da UnB, conforme o pensamento de seu fundador, o professor Darcy Ribeiro”, acrescentou.
A importância da aproximação da academia com o Sistema Confea/Crea e Mútua foi citada pelo coordenador nacional das câmaras especializadas de Engenharia Florestal (CCEEF), Reginaldo Rocha Filho. “Esse evento traz uma reflexão muito importante, em conformidade com os temas discutidos na Semana Oficial de Engenharia e Agronomia deste ano. E ele será chancelado com a audiência pública em atendimento aos objetivos da comissão temática. São temas importantes como o manejo de bacias hidrográficas”, disse, parabenizando a comissão temática.
“É uma alegria prestigiar essas discussões extremamente ricas, voltadas ao desenvolvimento do nosso país, da nossa sociedade, mas considerando o meio ambiente, que é tão necessário e imprescindível à nossa vida. Gostaria de parabenizar o conselheiro Lucchesi pelo trabalho que vem desenvolvendo e, enquanto profissional do Sistema, enquanto acadêmica, professora que ama o que faz, eu me sinto muito satisfeita de poder fazer parte do Sistema em um momento em que a gente vê tanta dedicação e empenho em tentar aproximar os setores Legislativo, Executivo e a academia. Esse diálogo é extremamente necessário para evoluirmos enquanto sociedade”, destacou a presidente em exercício do Crea-AC, eng. agr. Lya Beiruth.
O diretor da Faculdade de Tecnologia da UnB, eng. mec. Edson Silva, considerou que a Universidade vem desenvolvendo a atualização do projeto pedagógico de todos os cursos. “Na Faculdade de Tecnologia, temos dado uma atenção especial às questões ambientais, visando formar engenheiros e engenheiras mais sintonizados com os grandes desafios ambientais do nosso século”. Ações na pesquisa, como a criação do Centro Integrado de Pesquisas em Transição Energética e Sustentabilidade, e na extensão, com a criação de laboratórios que atuem na prestação de serviços técnicos especializados conforme as novas diretrizes da Engenharia, foram também destacadas por ele entre as iniciativas da UnB em favor da temática ambiental.
A abertura do evento contou com as presenças do conselheiro federal eng. agr. Francisco Lira, coordenador da Comissão de Articulação Institucional do Sistema (Cais), do conselheiro federal geol. Mário Cavalcanti, coordenador adjunto da CMTA, e do conselheiro do Crea-BA e coordenado adjunto do Colégio de Entidades Regionais – Cder, eng. civ. Maurício Mayer; do chefe do Departamento de Engenharia Florestal da UnB, eng. ftal Leonardo Biali, e ainda do professor do Departamento de Engenharia Florestal da UnB, eng. agr. Henrique Chaves, e da coordenadora da pós-graduação em Engenharia de Transportes do Instituto Militar de Engenharia – IME, eng. civ. Esther Marques, membros da Comissão Temática de Meio Ambiente.
Confira a playlist de entrevistas com Evânio Nicoleit, Luiz Lucchesi, Aldo Rebelo e Olgamir Amancia:
Equipe de Comunicação do Confea
Fotos: Marck Castro e Thiago Sousa/Confea