Gramado, 10 de agosto de 2023.
O pesquisador da Embrapa eng. agr. Décio Luiz Gazzoni, natural do Rio Grande do Sul, apresentou na tarde de quarta-feira (09), durante a 78ª Semana Oficial da Engenharia e da Agronomia que acontece em Gramado-RS, a pesquisa sobre Barreiras não tarifárias e os desafios da agronomia sob o aquecimento global. A explanação aconteceu no espaço do Congresso Técnico-Científico da Engenharia e da Agronomia (Contecc) por ser um dos trabalhos selecionados entre os inscritos de todo o país. O painel foi moderado pelo paranaense conselheiro federal eng. agr. Luiz Antonio Corrêa Lucchesi.
Gazzoni iniciou dando um panorama dos principais acontecimentos climáticos dos últimos dias, como, por exemplo julho, que teve o dia mais frio e o dia mais quente do ano na mesma semana, e foi considerado o mês com as temperaturas mais altas no mundo. “A velocidade das mudanças climáticas têm acontecido em uma escala cada vez mais rápida. Antes falávamos em milênios, agora em décadas”, afirma.
Ele explica que existe uma enorme circulação das águas entre o Atlântico Sul e o Atlântico Norte, chamada de Circulação Meridional do Atlântico (Amoc) ou Circulação Meridional de Revolvimento do Atlântico, que leva água quente do sul para o norte e água fria do norte para o sul. Isso faz com que a Europa não congele e regula o clima no Hemisfério Sul, especialmente a chuva no Brasil. “Porém, estudos mostram que o Amoc pode entrar em colapso ainda neste século, desequilibrando todo o clima, e já estamos na terceira década”, indicando que o fenômeno pode acontecer em breve.
O especialista mostrou nos gráficos a grande subida na temperatura média da Terra a partir da segunda metade do século XX, após centenas de anos em relativa estabilidade, assim como o nível dos oceanos e a concentração de CO2 na atmosfera.
Um fenômeno também relacionado é a alta do desmatamento no período. “Na Europa o desmatamento aconteceu muito antes, mas na maioria dos demais países ocorreu depois da segunda metade do século XX. Nos últimos anos houve um abrandamento da curva por conta de grandes campanhas e ações mundiais contra essa prática”, argumenta Gazzoni. Ele apresentou na sequência alguns fatores que ocorreram ao logo dos últimos 35 anos. Entre os socioeconômicos, aumento da população mundial em 57%, PIB em 588%, consumo de energia em 81%, consumo de petróleo em 56% e diminuição da energia fóssil total em 4%. Entre os ambientais, aumento das emissões de CO2 em 73%, aumento da temperatura no Ártico em 2,8% e na Europa em 1,5% e aumento do nível do mar em 11cm. Além disso, diminuição de 50% do gelo no Ártico e assustadores 96% a menos do gelo perene na região. A absorção de CO2 no oceano nesse período equivale a 500 anos de uso de energia.
As principais consequências disso são desequilíbrios ambientais como inundações e secas, ou seja, excesso de água e falta de água, além de degelo, alto impacto na transmissão de zoonoses, e aparecimento de fenômenos climáticos em locais que não existiam como, por exemplo, ciclones no Hemisfério Sul. As consequências na agricultura seguem nesta mesma linha: falta de água e excesso de água, que prejudicam a produção, induzem o favorecimento de reprodução de pragas e causam a perda de insetos úteis no processo agrícola. Um índice que comprova essas consequências é que cada grau de temperatura média que aumentou, diminuiu em 3% a produção de soja no Brasil. A situação também afeta a área de seguro agrícola, pois as seguradoras passam a evitar segurar em regiões com muito impacto ambiental ou encarecem o serviço.
Os países têm debatido e assumido realizar ações para mudar este cenário, nas Conferências de Biodiversidade da ONU (COPs), realizadas em 1997 em Quito, 2009 em Copenhague, em Paris em 2021 e em Sharm El Sheikh em 2022. O primeiro compromisso foi o Protocolo de Quioto, que entrou em vigor em 2005, porém algumas ações nunca foram realizadas. Em Copenhague não houve acordo para diminuir as emissões após 2012 por conta de impasse entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento sobre as metas de redução. Em Paris houve um acordo de limitar o aumento climático em até 2ºC, a criação de um fundo para as ações de redução de emissões e a avaliação foi que as ações acordadas ainda não são suficientes. Na última, em 2022, foi reforçada a necessidade de aumento da ambição climática e criado o fundo de perdas e danos, para ajudar países mais vulneráveis às mudanças climáticas, deixando claro que as ações não têm sido eficientes e são tomadas decisões para tratar as consequências.
O palestrante cita que uma oportunidade nessa crise é o mercado de carbono pela necessidade de reversão do quadro atual. Existe o mercado regulado, estabelecido pelos acordos internacionais, vinculado ao cumprimento das metas dos países; e existe o mercado voluntário, com a aquisição de créditos de carbono por empresas com interesse reputacional e mercadológico. Os agricultores podem se beneficiar nesse mercado utilizando sistemas de produção mais sustentáveis.
Barreiras não tarifárias (BNTs)
Gazzoni explica que as barreiras não tarifárias são ferramentas e instrumentos de política econômica que agem sobre os fluxos de comércio internacional, sem a necessidade de utilizar mecanismos tarifários (como as taxas de importação), que compõem as barreiras tarifárias. Mas para ele a questão é “se essas barreiras estão mascarando um protecionismo comercial, se o que está dito é realmente o que é ou mascara alguma coisa?”. As BNTs aumentaram de 22 criadas em 1979 para 202 criadas de 2010 a 2017. No total hoje são 328 BNTs impostas no Brasil nas culturas de açúcar, algodão, café, carnes, celulose, couro, farelos, milho, soja e tabaco.
As barreiras são por cotas de importação; técnicas por medida de segurança nacional; técnicas contra práticas enganosas; técnicas de proteção à saúde humana, vegetal e animal; laborais; e ambientais. Gazzoni questiona se as barreiras para a comercialização internacional estão sendo impostas por motivos realmente cabíveis ou “se o Brasil está ficando muito grande e competitivo no mercado e precisa ser contido? Afinal, o Brasil pode alimentar o mundo inteiro”, diz. O especialista apresenta então alguns exemplos de barreiras.
Ele mostrou então alguns exemplos de BNT. Em um deles mostrou que a barreira imposta, que embaraça a exportação no Brasil, é justamente sobre o agrotóxico mais utilizado no país. Atualmente a quantidade aceita corresponde a uma gota em uma piscina de 100 x 50 metros, com 10 metros de profundidade.
O moderador, engenheiro Lucchesi, comenta que o público presente é de pessoas importantes na profissão, que podem também contribuir com seu conhecimento. Citou inclusive uma consulta pública da Comissão Temática do Meio Ambiente do Confea, constituída este ano, com o objetivo de construir uma posição a respeito dessa questão interdisciplinar sobre como agir em todas as áreas que passam pelas consequências ambientais. “Este debate deve contribuir para colocar a agricultura, o agronegócio, a indústria brasileira, em uma posição de maneira mais competitiva no mundo, com todo o conhecimento produzido atualmente”, destaca. Finalizando, o espaço foi aberto para perguntas da plateia, que tinha pessoas de diversas regiões do Brasil. Os comentários citaram assuntos relacionados a questões ambientais e produção de combustível.
Sobre o palestrante
Decio Luiz Gazzoni é engenheiro agrônomo formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul em 1971, onde concluiu o mestrado em entomologia em 1974. Foi Chefe-Geral da Embrapa Agropecuária Oeste (Dourados), Chefe-Geral da Embrapa Soja (Londrina) e Diretor Técnico da Embrapa (Brasília). Foi Assessor da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Atualmente é pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e articulista de jornais, revistas e sites especializados. Publicou 271 artigos completos publicados em periódicos especializados, e 128 trabalhos em anais de eventos e possui 85 outras publicações bibliográficas. Possui 15 capítulos de livros e 7 livros publicados. Participou de 421 eventos técnicos e científicos no Brasil e no exterior e organizou 3 Congressos Internacionais. Proferiu 264 palestras ou conferencias em eventos técnicos e científicos, no Brasil e no exterior, e organizou 9 eventos. Publicou 1.602 artigos em jornais e revistas técnicas especializadas, no Brasil e no exterior. Orientou 134 estudantes em estágios, monografias e dissertações, em especial na área de agronomia. Participou de 203 eventos científicos nacionais e internacionais. Possui 4 trabalhos técnicos realizados, e 34 consultorias realizadas como consultor internacional. Recebeu 4 prêmios e/ou homenagens, destacando-se o Prêmio Frederico Menezes Veiga, a honraria mais graduada concedida a cientistas agrícolas no Brasil. Atua na área de agronomia, com ênfase em sanidade agropecuária, estudos de abelhas e economia agrícola. Em suas atividades profissionais interagiu com 124 colaboradores em coautorias de trabalhos científicos, no Brasil e no exterior. Atualmente é membro do International Scientific Panel on Renewable Energy (ISPRE ICSU), Presidente do Steering Committee on Renewable Energy (ICSU-ROLAC), Consultor Internacional do Banco Interamericano de Desenvolvimento, do Banco Mundial e da Organização para a Agricultura e Alimentação. Mantém o site www.gazzoni.eng.br, destinado à aglutinação dos textos técnicos, envolvendo análises, popularização da Ciência e aspectos educacionais e informativos, a respeito das Ciências Agronômicas.
Débora Irene Pereira (Crea-PR)
Edição: Fernanda Pimentel (Confea)
Equipe de Comunicação da 78ª Soea
Fotos: Studio Feijão e Lentilha e Marck Castro/Confea