Como tornar a engenharia atrativa para as novas gerações?

Brasília, 4 de março de 2024.

Sem truques, cola ou imã, o engenheiro aeronáutico Márcio Sena demonstra de forma bem-humorada o que é ciência na página do Instagram que reúne quase 800 mil seguidores. Com apenas uma garrafa pet, água e laser, ele explica em detalhes o princípio das fibras ópticas. Em outra experiência intrigante, uma simples lata de refrigerante e um pouco de líquido servem para esclarecer a relação do centro de massa com o equilíbrio.

Na página Ciência Divertida, Márcio inspira o público a realizar desafios e explica conceitos de tecnologia, robótica e aviação de forma lúdica e criativa

Sob o lema “Veja, veja, veja. Isso é ciência!”, Márcio imprime sua marca nos vídeos, apresentando teorias com descontração do começo ao fim. Essa abordagem, inclusive, é uma alternativa que ele sugere para remodelar as aulas convencionais de engenharia e atrair as novas gerações. “O ensino hoje poderia, sim, passar por uma reformulação e ser menos engessado, ser mais em campo, e envolver os alunos em projetos reais”, sugere o engenheiro formado pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), onde teve a oportunidade de testar na prática conceitos de robótica e sondagem, por exemplo.

Inovação, empreendedorismo e habilidades socioemocionais são outras temáticas cruciais para formação de engenheiros, na avaliação de Márcio. “Se hoje eu fosse dono de uma faculdade, eu levaria o ensino exatamente por esse caminho”, afirma o influenciador em entrevista ao site do Confea. Conheça a experiência de vida deste comunicador científico e confira as perspectivas que ele vislumbra para o ensino da engenharia.

Confea: O que motivou você a buscar um caminho inovador e descolado para fazer a ciência chegar para milhares de pessoas?

Márcio Sena: Na verdade a minha primeira pretensão de profissão era ser jornalista, com 16 anos. Eu queria ser jornalista porque sempre fui muito comunicativo. Mas por influência do meu irmão mais velho, enveredei pelo caminho da engenharia e fui para o ITA, uma escola muito conservadora. Antes disso, eu era militar, trabalhei sete anos para a Força Aérea Brasileira. Só que aquele meu espírito comunicativo de querer descobrir as coisas não cabia no militarismo, eu não me sentia pertencente ao militarismo. Foi assim que decidi ter público e me comunicar. Pensei: sou comunicador e gosto de ciência. Então, vou ser comunicador científico. Mas de que forma? Vou tentar fazer da forma mais atrativa possível. Porque eu já tinha visto que as pessoas gostam muito do perfil do cientista maluco, das pessoas que conseguem prender a atenção das outras. E aí eu pensei: ah, vou misturar um pouco de ciência com comédia e agitação e acabou que a coisa viralizou e deu certo. A página tem sido um sucesso!

 

Confea: Além dos milhares de seguidores, qual outro retorno demonstra que você tem alcançado seu objetivo?

Márcio Sena: Eu comecei de forma despretensiosa. Eu não acreditava que ia ter tamanho impacto e, quando eu vi a página viralizando em canais de TV do Ceará e em canais nacionais também, eu comecei a ter dimensão daquilo que eu estava fazendo e do alcance que aquilo tinha em todas as faixas etárias. Crianças me reconhecem e falam do meu trabalho, assim como pessoas com mais de 60 anos falam que, na internet, o Ciência Divertida é uma página que divulga muito conhecimento.

O público me parabeniza por estar levando conhecimento para pessoas em nosso país que é tão carente da disseminação de conhecimento em massa

 

Confea: E você? Na graduação, era um universitário que ficava só no bê-á-bá ou ia atrás de incrementar seu currículo? Conta como foi sua experiência na formação profissional.

Márcio Sena: Minha mente sempre foi muito multidisciplinar desde criança. Eu estava ali estudando exatas dentro de uma faculdade de engenharia, mas sempre tive interesse por assuntos de humanas ou biologia, por diversas coisas. Sempre senti que minha mente era muito aberta; não era engessada, digamos assim.

 

Confea: Como as mudanças no mercado de trabalho, como a automação e inteligência artificial, impactam a forma como os jovens devem ser capacitados para o futuro?

Márcio Sena: O modelo professor e aluno sentados na sala de aula desperta pouco a curiosidade dos jovens. Durante a faculdade, eu presenciei por várias vezes o professor falando para duas pessoas e o resto da sala dormindo. É muito catedrática e formal a maneira como o conhecimento é repassado. Eu acho que esse é um dos motivos do sucesso da página Ciência Divertida porque você junta a descontração com o ensino. Eu acredito muito nesse método da descontração porque o processo de aprendizado já é doloroso, de certa forma, porque ele força você a pensar, ele força você a buscar o conhecimento principalmente em matérias como física e matemática, que são extremamente difíceis. Colocar uma roupagem mais palatável é o segredo do sucesso para despertar o conhecimento das pessoas. Então, acho que o ensino hoje poderia, sim, passar por uma reformulação e ser menos engessado, ser mais em campo, e envolver os alunos em projetos reais de engenharia. Essa foi uma oportunidade que eu tive no ITA, que é uma escola muito diferenciada nesse aspecto porque dentro da graduação a gente participa de iniciativas promovidas pelos próprios alunos, como montagem de aeromodelos de foguetes, de sondagem, e de construção de robô.

 

Confea: Como a tecnologia e a inovação podem ser incorporadas no processo de capacitação para impulsionar o desenvolvimento do Brasil? Aproximar os estudantes de startups e de profissionais mais experientes do mercado seriam alternativas?

Márcio Sena: Com certeza! Se hoje eu fosse dono de uma faculdade, eu levaria o ensino exatamente por esse caminho: mais descontraído, com networking e empreendedorismo, que a gente aprende muito pouco na faculdade.


Confea: E como incluir conteúdo socioemocional no currículo da graduação, considerando a importância das habilidades comportamentais no enfrentamento de desafios e na liderança de equipe, por exemplo?

Márcio Sena: Gestão emocional é uma das bagagens principais para um chefe lidar com pressão e com toda demanda que o mercado exige. Infelizmente hoje dentro da faculdade, não te ensinam a como lidar com essa pressão. No formato engessado de só ensinar física, engenharia, matéria de estruturas ou de aerodinâmica, esquecem de ensinar a parte humana. Eu percebo que os profissionais hoje saem incompletos nessa parte socioemocional.

 

Confea: Como você avalia a iniciativa do Confea em abordar essa temática e buscar soluções para aprimorar a capacitação dos estudantes de engenharia?

Márcio Sena: Excelente e excepcional! Fico feliz de ver que as pessoas que estão no comando do Confea pensem fora da caixa e tomem novas iniciativas. É um caminho muito acertado!

 

Podcast
Márcio Sena marcou presença no podcast transmitido ao vivo no 13º Encontro de Líderes do Sistema Confea/Crea e Mútua. No bate-papo com o presidente Vinicius Marchese e o influenciador Eduardo Cavalcanti, do Blog da Engenharia, ele contou mais sobre o trabalho de divulgação na página Ciência Divertida. Confira:

 

Julianna Curado  
Equipe de Comunicação do Confea 
Fotos: Santo Rei Audiovisual/Confea