Brasília, 21 de junho 2024
Eram meados de 2014 quando a Sociedade de Mulheres Engenheiras do Reino Unido (Women’s Engineering Society – WES) sentiu a necessidade de fortalecer e celebrar o espaço que as engenheiras vinham ganhando na profissão, majoritariamente ocupada por homens. A nova notoriedade se devia, sobretudo, à luta por igualdade de gêneros e expansão do sistema educacional demarcada a partir da década de 1970, quando as reivindicações políticas da década anterior se consolidaram possibilitando a elas buscarem seu lugar no mercado de trabalho. A celebração desse contexto e o reconhecimento de que o ideal ainda está longe deu origem ao International Women in Engineering Day, ou Dia Internacional das Mulheres na Engenharia, celebrado mundialmente em 23 de junho.
O Brasil conta, desde 2018, com o Programa Mulher do Sistema Confea/Crea, que tem promovido significativo avanço na consolidação da política de equidade de gênero nos ramos da Engenharia, Agronomia e Geociências. Em 2019, apenas três Conselhos Regionais eram presididos por mulheres. Com os resultados das eleições de 2020, esse número subiu para seis e, atualmente, são oito os Regionais liderados por engenheiras, que representam as cerca de 230 mil profissionais registradas no Sistema, correspondente a cerca de 20% dos profissionais.
- Veja também: mulheres ganham 17% a menos que os homens, diz IBGE
Em 2022, as mulheres ganhavam, em média, 17% a menos que os homens, segundo as Estatísticas do Cadastro Central de Empresas (CEMPRE), divulgadas nesta quinta-feira, 20, pelo IBGE. Em outra perspectiva, o instituto explica que é como se as mulheres fossem remuneradas com 85,5% do salário dos homens.
- Na administração pública, uma mulher recebe o equivalente a 79% do salário de um homem. Este setor é o que melhor remunera os trabalhadores assalariados, com uma mulher ganhando, em média, R$ 4.659,99 e um homem, R$ 5.898,68;
- Em entidades empresariais, uma mulher recebe o equivalente a 77,6% do salário de um homem. Este é o setor com remuneração mais baixa para trabalhadores assalariados, com uma mulher ganhando, em média, R$ 2.644,72 e um homem, R$ 3.407,87;
- Em entidades sem fins lucrativos, uma mulher recebe o equivalente a 91,5% do salário de um homem. Em média, uma mulher ganha R$ 3.074,18 por mês, e um homem, R$ 3.361,37.
- Já a área em que as mulheres ganharam mais, com a maior diferença, foi em organismos internacionais e outras instituições extraterritoriais. Nessa área, mulheres receberam salários médios 47,7% maiores que o dos homens: elas ganharam R$ 9.018,70 e eles, R$ 4.717,09.
O aumento da representatividade feminina é um desdobramento direto do programa lançado em 2019, cuja missão é impulsionar a participação das profissionais e estimular a criação de políticas atrativas para mulheres na área tecnológica em inúmeras entidades de classe e Creas. A instalação do Programa Mulher permitiu com que se lançasse luz em um tema carente não apenas de debates, mas de ações concretas.
Enquanto isso, no mercado de trabalho, veem-se mulheres pulsantes, de todas as idades e áreas, atuando com obstinação, que são verdadeiros exemplos para profissionais de qualquer setor. Conheça três delas:
Claudia Massei é formada em Engenharia Aeronáutica pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica. Ela possui também um MBA pela Wharton School e um mestrado em Estudos Internacionais pelo Lauder Institute, da Universidade da Pensilvânia, além de ter realizado posteriormente cursos de educação executiva em universidades como Stanford, Princeton, Cambridge, Oxford, London School of Economics e Nanyang Technological University, em Singapura. Atualmente em licença maternidade, é ex-CEO da Siemens Omã, função na qual estava comprometida em possibilitar a transformação digital no sultanato e contribuir para seu desenvolvimento econômico. Ela conduziu negócios em geração e distribuição de energia, rede inteligente, edifícios inteligentes, controle e automação e soluções digitais para aplicações industriais. Ela assumiu seu cargo depois de trabalhar com a Siemens na Alemanha, Dinamarca e China, em vários campos de negócios, incluindo energia eólica e automação ferroviária. Ela iniciou sua carreira em consultoria estratégica no Brasil, tendo também realizado projetos na França, Marrocos, África do Sul e Estados Unidos. Posteriormente, ela foi cofundadora de uma startup de SaaS edtech no Brasil, a Eduqo, que dirigiu por alguns anos antes de ingressar na Siemens. Claudia desenvolveu sua paixão pela educação durante o tempo de faculdade, quando trabalhou como professora em cursinhos pré-vestibulares, como COC, Anglo e Poliedro. Foi nomeada pela Forbes como uma das mulheres de negócios mais poderosas do Oriente Médio em 2021 e 2020, pela Business Insider Germany como uma das 25 principais mulheres FutureMakers da Alemanha em 2021 e pelo LinkedIn como uma de suas Top Voices de 2020. Ela também é uma Jovem Líder Global do Fórum Econômico Mundial.
Aprendizado contínuo e articular as conquistas
"Neste Dia Internacional das Mulheres na Engenharia eu queria deixar aqui uma mensagem para as meninas que estão hoje em dia começando o curso de Engenharia falando um pouco sobre como enfrentar obstáculos e como ter objetivos, como encarar os desafios. Uma coisa muito importante é você utilizar o curso de Engenharia para aprender a aprender, sempre ser muito dedicada e tentar fazer tudo aquilo que você se propor de uma maneira excelente, dê sempre o seu melhor. Essa habilidade de aprender a aprender aprender é super importante porque o mundo de hoje em dia está super acelerado e o que você aprende hoje no seu curso de Engenharia daqui cinco anos, talvez no momento em que você se formar, já não vai nem ser mais tão relevante como é hoje em dia. Então você deve estar sempre num processo de aprendizado contínuo, de life-long learning, como se diz em inglês, e se você se propuser a sempre dar o seu melhor em tudo que você for fazer, o seu trabalho vai falar por si só.
Em todo o caso, é também muito importante aprender a divulgar por si mesma, a saber como demonstrar para os outros o seu próprio valor, porque não basta só entregar bons resultados, você também tem que garantir que as pessoas saibam que esses resultados existem. Então essa é minha terceira dica: você conseguir ter mentores que te ajudem a articular as suas conquistas, para que você possa garantir que as outras pessoas fiquem sabendo de todas aquelas coisas maravilhosas que você entrega durante a sua carreira. Muito boa sorte!"
A adaptabilidade é um presente
"Um outro ponto sobre a questão de equidade de gênero: existem vários estudos que falam que se as coisas continuarem nesse ritmo ainda vai levar 150 anos para as mulheres chegarem a ter as mesmas oportunidades dos homens. É importante nós enquanto mulheres nos unirmos para tentar mudar a situação. É muito importante também as mulheres em estágios de carreira mais avançados ajudar a abrir as portas para aquelas que estão chegando no mercado de trabalho agora, tudo isso é essencial, sem dúvida nenhuma.
Entretanto, também é importante lembrar, que mesmo fazendo tudo isso, ainda vai levar um certo tempo e, muito provavelmente as meninas que estão começando o curso de Engenharia hoje ou estão se formando hoje não vão ver na carreira delas mudanças tão significativas exceto se alguma coisa muito relevante aconteça. Na minha experiência, tenho trabalhado em consultoria, tendo tendo trabalhado numa empresa de Engenharia na Alemanha, como a Siemens, é que a gente tem que simplesmente entender que algumas coisas são possíveis mudar e outras a gente tem que aceitar. Na verdade, acho que essa é uma grande lição de vida, é uma coisa que eu carrego comigo, que é focar o meu esforço naquilo que eu sei que eu posso mudar, onde eu posso ter algum impacto, e simplesmente aceitar a realidade daquelas coisas em que eu não vou conseguir alterar e tentar navegar da melhor maneira possível. E acho que você mantendo esse olhar de foco naquilo que você pode mudar, você vai ser menos frustrada, do que se você ficar tentando lutar contra um sistema em que você sozinha não consegue alterar a realidade.
Eu acho que é possível ter sucesso na carreira também em ambientes predominantemente masculinos, a gente precisa claro, talvez adequar um pouco a maneira de se expressar os tópicos, a concisão das ideias nesse caso, porque homens são diferentes das mulheres, mas a gente tem tudo o que a gente precisa dentro da gente para entender esses contextos e nos adaptarmos a eles, acho que a capacidade de adaptabilidade do ser humano é um dos maiores presentes que a gente tem e isso é super útil na hora de você querer estabelecer uma presença e querer ter sucesso no ambiente predominantemente masculino. Muito boa sorte!"
Joedy Santa Rosa possui graduação e mestrado em engenharia civil e é especialista em Gerenciamento de Obras e Tecnologia da Construção. Atua no setor de construção civil há 15 anos, com experiência nas áreas de Bioconstrução, Construções Semi-industriais, Engenharia Diagnóstica, Planejamento e Controle de Obras. Atualmente, está à frente da Santa Rosa Engenharia e AquaStone como CEO. Além disso, ensina gratuitamente soluções sustentáveis e técnicas de construções inteligentes no canal @Bioconstrutoras no YouTube.
Priorizei, enquanto empresária e CEO de uma empresa de engenharia, contratar mais mulheres
“Estes são um dos grandes desafios da vida profissional da engenheira: o machismo e a falta de equidade de gênero. Infelizmente, em pleno século XXI, isso é algo comum no mercado de trabalho, mas nunca me calei e aceitei esse tipo de postura. As mulheres são sempre mais cobradas e precisam provar a sua capacidade além do normal, e somos capazes de muito. Na minha vida profissional, sempre que me deparei com situações de machismo ou assédio, reagi adotando postura ainda mais séria e, principalmente, tomando providências para que isso não ocorra mais. Já passei por assédios, fui recusada em um processo seletivo porque não havia banheiro feminino próximo ao local de trabalho, sofri constrangimentos com piadas machistas e tive que provar que realmente entendia sobre determinado assunto. Em todas essas situações, reagi e tomei as providências necessárias para que eu pudesse desempenhar meu papel profissional com tranquilidade, sempre baseado em minhas competências. Fácil nunca foi e nunca será, mas com coerência e fazendo o melhor ampliei meus espaços e não me deixei abalar. Foi, então, que passando por tantas experiências, priorizei, enquanto empresária e CEO de uma empresa de engenharia, contratar mais mulheres e promover a equidade de gênero na minha empresa. No entanto, infelizmente, a mão de obra feminina direta ainda é escassa na nossa região, coisa que precisa ser mudada. A luta por igualdade e respeito é diária e incansável, e jamais devemos esquecer!”
Tenha seu diferencial
“A uma garota que está em seu primeiro semestre de curso de engenharia eu diria: Siga em frente, acredite em si mesma, pois desafios sempre vão existir! Sempre falo sobre a resiliência que temos e devemos ter para enfrentar as diferentes situações que ocorrem no nosso dia a dia. Parece que fomos feitas para resolver problemas. Faço uma analogia com os materiais, pois cada material tem uma maneira de se comportar diante dos esforços que são aplicados, mas, sobretudo, os materiais devem estar preparados para suportar as determinadas situações que foram criados. E também temos que ser assim, então estude, se qualifique, tenha seu diferencial saindo da sua zona de conforto! Sempre que se vir em meio aos desafios, pense que será um fortalecimento, pois a cada etapa você se torna mais resiliente e sábia. E jamais, desista de seus sonhos.”
Marielva Andrade Silva Dias é vice-presidente da Unidade de Negócios para Instituições Públicas da Positivo Tecnologia desde 1992. É formada em engenharia civil com MBA em Gestão Empresarial pela FGV, em Finanças pelo IBMEC/UP, além de Neuroestratégia e Pensamento Transversal pela ESIC Business & Marketing School. É conselheira de Administração pelo IBGC e atua como conselheira na Positivo Servers & Solutions, empresa especializada em soluções de infraestrutura para TI. Antes de ingressar na Positivo Tecnologia, atuou por dez anos na área de construção civil como fundadora e sócia da Andrade Dias Construção Civil. Em 2022, recebeu o título de Mulher Paranaense na categoria Exatas e Tecnologia, prêmio organizado pelo Unibrasil Centro Universitário e direcionado a profissionais que contribuem para o desenvolvimento do estado. Também foi finalista da categoria brasileira do Globant Awards – Women that Build na categoria Liderança Inspiradora, realização da consultoria norte-americana de TI, Globant, para lideranças femininas que inspiram ao desenvolverem projetos inovadores no mercado de tecnologia. Recebeu ainda o Prêmio Destaque Empreendedor, iniciativa da Assembleia Legislativa do Paraná para reconhecer profissionais que trabalham em prol do desenvolvimento socioeconômico do estado.
Equidade de gênero é uma das forças motrizes da inovação e do progresso
“Nunca experimentei discriminação no trabalho por ser mulher, tanto na área de tecnologia onde atuo atualmente quanto na engenharia, quando tive minha própria empresa de construção civil, no Paraná. Porém, entendo que essa não é a realidade para todas. Acredito que a equidade de gênero é uma das forças motrizes da inovação e do progresso, sendo essencial que seja colocada ainda mais em prática. Acredito em equipes de alta performance e estas são construídas com diversidade, com diferentes perfis. Por isso, tenho como compromisso a promoção de uma cultura de inclusão e igualdade no ambiente corporativo em que estou inserida. Dedico-me a criar espaços de trabalho onde todas as vozes sejam valorizadas e respeitadas. Tenho a expectativa de que as mulheres possam ocupar cada vez mais espaço na engenharia e na tecnologia, outra área que também é reconhecida como mais masculina apesar dessa condição estar mudando. Vejo um presente mais favorável e um futuro promissor para as mulheres na engenharia. A crescente conscientização sobre a importância da diversidade e inclusão está criando ambientes acadêmicos e corporativos mais receptivos e equitativos. As novas gerações de engenheiras estão mais preparadas e determinadas do que nunca. Estão ainda mais aptas a pavimentar o caminho para um cenário em que gênero seguramente deixará de ser um fator de desigualdade.”
Acredite na capacidade de transformar o mundo por meio dessa linda profissão
“O que eu diria a uma jovem estudante de engenharia? Primeiramente, eu daria a ela os parabéns por optar pela engenharia. E continue dando de si o melhor, sempre! O fato de ela já estar no curso já é uma vitória e tanto. O caminho pode parecer desafiador, mas ela certamente está numa trajetória que trará muitas oportunidades e descobertas. Haverá momentos em que se questionará pela escolha e se sentirá sobrecarregada, como ocorre em todas as profissões. Essas ocasiões fazem parte do processo e até contribuem para o crescimento e aprendizado. Cada obstáculo superado na engenharia, por menor que pareça, será uma vitória que ajudará na construção da confiança e resiliência. Haverá também muitas satisfações profissionais. Virão de várias formas: na resolução de um problema complexo, na compreensão de um conceito difícil, no reconhecimento recebido de seus colegas de aula e professores, e, principalmente, na sensação de estar contribuindo para algo maior. A engenharia permite a qualquer profissional que opte pela carreira nessa área ver o impacto concreto do trabalho na sociedade, seja na construção de pontes, no desenvolvimento de novas tecnologias ou na criação de soluções sustentáveis. Meu conselho é que essa jovem mulher nunca duvide do próprio potencial. Acredite na capacidade de transformar o mundo por meio dessa linda profissão. Cerque-se de pessoas que apoiem e inspirem, sem se hesitar em pedir ajuda quando precisar. Lembrar de que está em um curso concorrido e estar nesse lugar é mérito próprio e muito honroso. O mundo precisa da sensibilidade e da competência femininas na engenharia.”
Participe da rodada de palestras que o Confea irá promover
em alusão ao Dia Internacional das Mulheres na Engenharia
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Beatriz Leal e Julianna Curado
Equipe de Comunicação do Confea
Fotos: acervo pessoal