Câncer de próstata: profissionais da tecnologia devem apoiar a prevenção

Brasília, 8 de novembro de 2024.

Ao longo de todo o mês, várias empresas, sindicatos e conselhos regionais de engenharia de todo o país estarão divulgando mensagens em favor de uma orientação médica que deveria preocupar diretamente a maior parte dos profissionais registrados no Sistema Confea/Crea e Mútua: o câncer de próstata. O próximo dia 17 de novembro marca o Dia Mundial de Combate ao Câncer de Próstata. Apesar de não haver dados específicos, o segundo tipo de câncer mais grave do país certamente também impacta a vida de profissionais de engenharia, o que motiva o Confea a abordar a questão, de forma a disseminar uma cultura de prevenção contra a doença.

Uma das boas expectativas para incentivar a prevenção está mais próximo de tornar-se realidade. É a pesquisa da engenheira química Anízia Durans, fruto de seu mestrado na Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Conforme a nova técnica, será possível obter um diagnóstico mais fidedigno da doença por meio de um simples exame de urina. “Isso evitaria constrangimento que muitos homens sentem durante o exame de toque retal, algo que vivenciei de perto com meu pai, e permitiria um diagnóstico mais precoce. No caso dele, esse diagnóstico demorou 10 anos para acontecer”, lamenta, informando que o pai veio a falecer seis meses antes de sua formatura. 
 

Engenheira química Anízia Durans: otimismo para a descoberta de um método não invasivo para a prevenção ao câncer de próstata
Engenheira química Anízia Durans: otimismo para a descoberta de um método não invasivo para a prevenção ao câncer de próstata


Em 2022, o Instituto Nacional de Câncer (Ministério da Saúde) estimava que o câncer de próstata seria o segundo maior tipo de câncer entre os homens brasileiros no período de 2023-2025, quando estão previstos 72 mil casos novos (Confira tabela abaixo). Os números do INCA informam que o câncer de próstata é predominante em todas as regiões, o que está em conformidade com os dados relativos aos países de baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), onde o câncer de próstata é o mais incidente (atinge 11,3 homens por 100 mil habitantes). Mas o problema é universal. Nos países com alto IDH, as taxas de incidência de câncer observadas em homens são mais de três vezes maiores do que as de países com baixo IDH. Naqueles países, o câncer de próstata atinge 37,5 homens por 100 mil habitantes, perdendo apenas para o câncer de pulmão, que atinge 39 homens por 100 mil habitantes.

Apesar da gravidade da doença, que pode causar a morte e provocar dor óssea, insuficiência renal, dificuldades urinárias e infecções, metade dos brasileiros com mais de 45 anos nunca fez o exame de toque retal, que auxilia no diagnóstico da doença. O que provavelmente também inclua engenheiros, engenheiros agrônomos, meteorologistas, geógrafos, geólogos e tecnólogos, entre outros diversos profissionais.

Principais tipos de câncer entre os homens brasileiros (Estimativa 2023 
– Incidência de Câncer no Brasil; Instituto Nacional de Câncer – Ministério da Saúde, período 2023-2025)
 

Câncer de pele não melanoma 102 mil casos (29,9%)
Próstata 72 mil casos (21%)
Cólon e reto22 mil casos (6,4%)
Pulmão 
18 mil casos (5,3%)
Estômago 13 mil casos (3,9%)

 
Prevenção
Atualmente, utiliza-se conjuntamente, para um melhor diagnóstico, os exames de toque e o exame de sangue do antígeno prostático específico (PSA). Segundo a pesquisadora, trata-se de um biomarcador não específico para o câncer próstata que, infelizmente, ainda tem uma alta taxa de falsos positivos ou negativos, a exemplo do próprio exame de toque. “Ele é interessante porque é específico da próstata, mas não do câncer de próstata porque diante de uma prostatite, uma hiperplasia benigna, esse PSA pode aumentar fazendo com que essa alteração possa representar um tumor, levando a pessoa a fazer uma biópsia. Ou seja, ter aí um falso-positivo. O PSA pode indicar essas inflamações, e, por isso, ele precisa ser confirmado pelo exame de toque retal e ressonância”, descreve.

Daí a importância do método, não invasivo e mais assertivo, que a engenheira química está ajudando a desenvolver. “Assim, esperamos reduzir a mortalidade e aumentar as chances de cura”, diz a engenheira química Anízia Durans, informando que as próximas etapas do exame de urina para o diagnóstico de câncer de próstata são a validação e a comparação dos modelos construídos.

Apesar das atuais dificuldades para realizar o diagnóstico, a prevenção se torna ainda mais necessária, considerando, principalmente, que os sinais apresentados pela glândula em forma de maçã, localizada abaixo da bexiga e acima do reto, apresenta uma evolução “silenciosa” ou com sintomas semelhantes a um crescimento prostático benigno: dificuldade de urinar e necessidade de urinar mais vezes ao longo do dia. Outro fator a considerar é o grau de morbidade: 1 em cada 30 casos são fatais. “O diagnóstico precoce proporciona a cura de 90% dos casos, além de uma melhor qualidade de vida aos pacientes”.
 

Método inovador
Fundamentado pelas técnicas de sua área de especialização, a Quimiometria, o método inovador desenvolvido por Anízia, e já difundido em mais de 200 artigos em todo o mundo – inicialmente com o reconhecimento da maior revista de química analítica do mundo, a Analytical Chemistry – utiliza um biomarcador que funciona por meio da “espectrometria de massas por ionização por spray de papel (PSI-M)”.

Segundo a pesquisadora, o “paper spray” (spray de papel) é um método de ionização – quando um átomo ou uma molécula adquire carga negativa ou positiva – usado para analisar misturas complexas por espectrometria de massas – método em que moléculas de interesse são identificadas pela medição de sua massa e caracterização de sua estrutura química. “É uma técnica que possibilita análises rápidas e simples de analitos presentes em matrizes complexas, minimizando efeitos de matriz e etapas de pré-tratamento de amostra”, diz Anízia.

Pela complexidade dos dados espectrais adquiridos, acrescenta, “mostra-se necessário um tratamento amplo, visando extrair informações e relacioná-las com a propriedade de interesse. Para isso é imprescindível a utilização de métodos quimiométricos na obtenção de informações a partir desses espectros de massas. A partir disso, torna-se possível identificar o câncer de próstata nas moléculas dos pacientes”, descreve.

Ela esclarece que uma pequena quantidade de urina é depositada em um espectômetro, utilizando um papel especial. Em seguida, um solvente é utilizado para conduzir a aa urina até o analisador, determinado as modelagens das espécies químicas que diferenciam um paciente sadio de uma pessoa com a doença.

Pesquisa
A pesquisa envolve outras frentes, além do Instituto de Química da UFU, onde Anízia foi orientada pelo professor Waldomiro Borges Neto. “Uma parceria com o College of Medicine, da Universidade da Flórida/Gainesville, nos Estados Unidos, foi possibilitada pelo professor Frederico Garcia Pinto, da Universidade de Viçosa. Ele disponibilizou os dados espectrais para tratamento quimiométrico, em parceria com o Laboratório de Quimiometria do Triângulo (LQT), da UFU”, diz.

O desejo de pesquisar algo relacionado ao câncer de próstata se deve às dificuldades enfrentadas por seu pai, que faleceu vítima da doença aos 86 anos. “Todo o processo até o diagnóstico correto demorou 10 anos. Foi uma série de diagnósticos. Ele sempre se cuidou, mas nenhum desses exames conseguiu detectar. Tinha os sintomas vinculados à prostatite e outras infecções, menos o câncer de próstata”, lamenta. 
 

Pesquisa é desenvolvida em parceria com uma universidade norte-americana e teve seu início durante o processo de doença do pai de Anízia
Pesquisa é desenvolvida em parceria com uma universidade norte-americana e teve seu início durante o processo de doença do pai de Anízia


Anízia conta que já havia feito um trabalho sobre analítica na graduação, e já chegou ao mestrado com a intenção de estudar o câncer de próstata, devido ao diagnóstico tardio do seu pai. “Os métodos convencionais não determinaram porque o tumor estava em uma parte da próstata em que não foi possível diagnosticar nem com a biópsia. Durante o curso, comecei a pensar nessa possibilidade, a partir do momento em que conversei com um urologista. Esse tumor se aloja em partes que não consegue dar o diagnóstico. Além disso, há o constrangimento com o toque retal. Eu não conseguia entender como ainda não existiam outras formas de diagnóstico, considerando o avanço das tecnologias disponíveis no século atual”, informa.

O encontro com o químico Frederico Garcia, intermediado pelo orientador Waldomiro, acabou integrando a pesquisa. “O professor Valdomiro falou que o professor Frederico estava buscando alguém para estudar o câncer de próstata. No seu pós-doutorado, ele já fazia a pesquisa, já possuía amostras de 20 pacientes sadios e 20 com câncer de próstata, mas não tinha o método. Juntamos então a Quimiometria com a parte prática que ele usava”, aponta.

Segundo Anízia Durans, enquanto outras pesquisas focavam no uso de sangue, esta investigação optou pela urina por esta conter uma maior variedade de metabólitos. “O caso do meu pai poderia ter sido diagnosticado por esse método, se houvesse mais interesse da indústria farmacêutica, em incentivar e investir em pesquisas para o câncer de próstata. Quantos outros homens poderiam estar vivos hoje, se esse investimento tivesse sido realizado?”, questiona a engenheira química.

Ela considera que o processo “deu certo” por conta de toda a dedicação de ambos. “Nós nos dedicamos muito, foram dois anos de muitos estudos, horas frequentes para poder determinar os íons e descobrir se estávamos no caminho certo. E estávamos de fato”, diz, citando a referência à pesquisa por mais de 200 menções em artigos de todo o mundo. 

“Depois que identificamos os íons, devolvemos as informações para o laboratório de Patologia nos EUA, esse estudo está com eles. Vai ser uma descoberta compartilhada, mas ainda não sabemos quando. As informações são de que ainda está em análise, depende do colegiado da entidade para disponibilizar o método, algo que seria até cinco anos. Mas hoje a expectativa é de ir um pouco mais. Mas sou bem otimista”. 
 

Engenharia Química e Quimiometria 
A Quimiometria é descrita por Anízia como uma área importante da Engenharia Química. “Pois melhora a eficiência de processos, contribui para o design de novos materiais e auxilia no desenvolvimento de tecnologias inovadoras. Os estudos dos processos de purificação e separação são primordiais pra desenvolver métodos. Com esses conhecimentos, sou capaz de desenvolver protótipos e realizar modificações nanométricas em materiais. O objetivo é criar um aparelho tão simples e acessível quanto o teste de gravidez”, afirma Anízia, destacando que  a graduação em Engenharia Química foi um “alicerce” fundamental para o avanço da pesquisa. “A Engenharia Química, por meio da Quimiometria, desenvolve métodos que envolvem Química, Física e Matemática, utilizando ferramentas estatísticas e matemáticas para analisar dados químicos. Isso permite transformar essas informações em parâmetros úteis para que os técnicos possam realizar leituras precisas e tomar decisões informadas nos processos industriais e laboratoriais”.

 

Henrique Nunes
Equipe de Comunicação do Confea

Com informações da Escola de Saúde Pública Sérgio Arouca (Fiocruz) e a colaboração da assessoria de comunicação da Universidade Federal de Uberlândia (UFU)