Brasília, 30 de abril de 2021.
Com apoio do Confea e de outras entidades do setor, a Anetrans promoveu, na tarde dessa quinta (29), o webinar “A Nova Lei de Licitações para o Setor de Infraestrutura Brasileira: reflexos e benefícios”. Após os vetos ao projeto de lei 4.253, a Lei 14.133 foi sancionada, em 1º de abril último, mas seu debate foi retomado no Congresso, embora alguns pontos já estejam sendo objeto de regulamentação por parte do ministério da Economia. Com a participação de lideranças do setor, o encontro foi marcado por um debate com o relator do projeto, deputado federal Augusto Coutinho (SDD-PE). O Confea foi representado pelo vice-presidente, eng. civ. João Carlos Pimenta.
Com uma dinâmica de diálogo com o público conduzida pela presidente da Associação Nacional das Empresas de Engenharia Consultiva de Infraestrutura de Transportes - Anetrans, Luciana Dutra, o debate envolveu ainda o presidente do Sindicato Nacional das Empresas de Arquitetura e Engenharia Consultiva – Sinaenco, eng. civ. Carlos Mingione e o advogado especialista na legislação de licitações públicas Henrique Savonitti, além do consultor legislativo da Câmara dos Deputados, Rafael Amorim.
Pimenta promoveu um amplo cotejo entre as duas leis, considerando a atual “pródiga em conceitos”. Segundo ele, houve “avanços, alterações sem impacto e alterações terríveis”. A melhor caracterização de obras e serviços é um dos méritos citados. “Houve também uma evolução em relação à Lei Complementar 123, que dá o tratamento diferenciado para microempresas e empresas de pequeno porte. Isso era muito sem parâmetro, apesar de muito usual. Ela limita o valor para manter esse privilégio, no valor de enquadramento, em torno de R$ 4,8 milhões. Realmente, isso foi um aspecto bem positivo”.
O vice-presidente do Confea argumenta que a Lei 8.666 considerava obras de contratação direta, as que a própria administração executava. “Agora, a nova lei considera estas as de inexigibilidade e de dispensa de licitação. Também o valor de obras de grande vulto subiu de algo em torno de 80 milhões para 200 milhões de reais. Foi acrescentado à lei o anteprojeto. O projeto básico tinha uma definição melhor antes, enquanto o projeto executivo melhorou bem”.
Segundo João Carlos Pimenta, a lei acrescentou ainda os conceitos de termo de referência, “bem definido”, e de contrato de eficiência, “decorrente de um tipo de licitação de maior retorno econômico”. A criação do “diálogo competitivo” também gerou dúvidas entre os engenheiros. “É outra incógnita, uma modalidade completamente diferente, e só mesmo a prática vai dizer como isso vai funcionar”. O instrumento absorveu ainda a contratação integrada e semi-integrada e as tabelas Sicro e Sinap. Outras novidades do dispositivo são a criação da matriz de risco (“uma incógnita”) e ainda a permissão do uso da plataforma BIM.
Ficou bem caracterizado agora, explica Pimenta, que a fase inicial é a abertura de preços, depois é o julgamento da habilitação. “A gente chamava isso de inversão de fases. Se tiver uma inversão agora em relação a isso, o que é permitido mediante uma justificativa, vai ter que ser gravado em áudio e vídeo e anexado ao processo licitatório”. Outra modificação é que antes havia recursos para as duas fases, habilitação e proposta, enquanto agora há apenas um recurso abrangendo as duas fases.
Capacitação técnica e consórcios
Em relação à capacitação técnica, o profissional não precisará mais ser do quadro permanente da empresa licitante. “Só vai ter obrigação de ser do quadro, se a empresa ganhar a licitação”. A criação da capacitação operacional, vetada na Lei 8.666, é legitimada agora pelo dispositivo.
“Ficou na base dos acórdãos e súmulas dos tribunais. Agora, os atestados têm que ser de itens representativos, com pelo menos quatro por cento do valor. Os valores exigidos não podem ser acima de 50% do que se vai contratar. Está se aceitando atestados até 25% do valor previsto do contrato de subempreiteiros, quer dizer, o subempreiteiro de serviços especializados pode participar junto e complementar a atestação técnica dos licitantes com seus atestados. E pode fornecer para mais de uma empresa”.
Pimenta descreveu ainda que houve também definições em torno dos consórcios, que já eram razoavelmente praticados. “Agora, tem a definição de quando o consórcio precisa ser substituído. Há mais parâmetros ligados a consórcios. Está mais definido o que cada um vai ter direito, em relação à capacitação técnica. Pode ser limitado o número de componentes do consórcio e também há critérios quando há necessidade de substituição de uma das empresas participantes”.
Outro fator positivo, na visão do vice-presidente do Confea, que também é diretor do Sinaenco-DF, é que agora, em caso de abandono do primeiro colocado, o segundo colocado poderá usar o seu próprio preço, e não mais o definido pelo primeiro colocado, como era previsto na 8.666.
Ressalvas
No entanto, algumas outras incertezas ainda o preocupam. “O artigo 12 preocupa muito porque não define o que seriam os vícios sanáveis, que passaram a existir. Isso é muito perigoso, está bem subjetivo. Outro problema é que, independentemente do tempo previsto para a obra, os editais terão que ter um critério de reajuste publicado com base na data-base do orçamento”.
“Nunca ninguém viu uma empresa ter seu preço considerado inexequível. Agora, o preço 75% abaixo do preço base é considerado inexequível. Parece que agora teremos desconto de no máximo 25%. Agora, preocupa o critério de desempate, que tem como primeiro item, a avaliação de desempenho anterior. Pelo que está entendido, vai ser por esse Portal Nacional de Contratações. Preocupa muito também a forma como está colocado o recebimento da obra ao final. Havia prazos provisórios e definitivos. E agora diz que é provisória pela fiscalização, e definitivo é por uma comissão e que os demais detalhes serão dados pelo edital”, diz.
Discussões contínuas
Questionado pela presidente da Anetrans sobre as 14 mil obras paradas relacionadas pelos tribunais de controle, o deputado Augusto Coutinho reconheceu a “frustração” com as obras paradas, dizendo que isso ocorre não por culpa apenas do fornecedor, mas do próprio governo que não tem respeito com quem ele contratou. “Pra receber você não deve falar com ninguém. Muitas vezes as obras são paralisadas porque o governo não tem dinheiro e começam os embaraços”. O deputado comentou ainda que “não é uma lei que vai acabar com a malversação dos recursos públicos. São mecanismos que a gente possa fazer para tornar isso mais dificultoso”.
Para ele, a lei foi um avanço importante que o Congresso pode contribuir ao país, considerando que a 8.666 prestou um grande serviço ao país, “mas precisava ser atualizada, precisava vivenciar o novo momento do mundo”. Ele ratificou que os debates ouviram toda a sociedade civil organizada, órgãos de controle, de transparência nacional e internacional.
“Como presidente da comissão, andamos por todo o Brasil ouvindo muitos segmentos. E como relator abrimos a oportunidade para os novos deputados participarem, mas já havia o debate com a sociedade civil organizada. Construímos um relatório que voltou para o Senado e que não foi modificado em quase nada. A lei foi sancionada com alguns vetos. Alguns são mais do próprio governo por concepção. Nós entendemos que nem sempre o projeto mais barato é o melhor. Teria que ter uma combinação por técnica e preço. O governo vetou. Essa era uma discordância que o governo quis interferir desde o começo e que veio no veto. Mas os vetos não descaracterizam em nada. Nós vamos discutir um a um no plenário. E poderemos colocar novamente para os senadores e deputados a avaliação para manter ou derrubar o veto”.
Inovações
Segundo Coutinho, o objetivo da lei foi criar alguns mecanismos, avanços como o seguro garantia para término de obra, que existe nos Estados Unidos e na Europa. “Envolvemos o ministério da Economia, o setor de resseguros, e daí fizemos essa garantia a mais para que a gente tivesse essas obras executadas, principalmente as obras maiores. Criamos também com inovação o diálogo competitivo. Muitas vezes o Estado diz o que precisa e a empresa vai apresentar uma solução e o quanto custa para resolver aquele problema. Mas é importante que todas as partes cumpram o seu dever. Que o Estado contrate a um preço justo e honesto e que trate seu fornecedor de uma forma justa e honesta, pagando o que deve, reservando recursos para tocar a obra”, disse, falando da necessidade de responsabilização do poder público.
Regulamentações e vetos
Carlos Mingione lembrou que a nova lei cita a necessidade de cerca de 50 regulamentações, como o Portal Nacional de Contratações, Registro Cadastral Unificado, Pontuação pelo Desempenho Pretérito entre outras. “O projeto de lei resultou de um processo democrático, com audiências públicas e outras discussões ao longo de anos. O projeto refletia a necessidade de dar um basta às mazelas verificadas nos processos de implantação de empreendimentos públicos, frequentemente marcados por atrasos, aditivos de preço, bens com qualidade inferior ao contratado e cerca de 14 mil obras paralisadas, segundo o TCU”.
O presidente do Sinaenco considera que grande parte do problema reside na contratação inadequada de projetos. “A lei traz inúmeros avanços, mas, infelizmente, três vetos presidenciais representam um retrocesso do que foi consensado nos debates e abrem caminho para a continuidade dos desvios e desperdícios de recursos públicos”, comentou.
O primeiro veto diz respeito ao parágrafo segundo do artigo terceiro que impõe o critério de técnica e preço para a contratação dos serviços técnicos especializados, de natureza predominantemente intelectual, tais como os estudos, projetos, gerenciamentos de fiscalização e controle tecnológico de obras. “Esse foi um dos problemas que o TCU encontrou como causa das obras paralisadas”, citou.
Os vetos aos parágrafos 2º e 4º do Artigo 115 foram comentados a seguir por Carlos Mingione. Em relação ao primeiro, que garantia os recursos financeiros para custear os trabalhos relativos às ordens de serviços que fossem emitidas, ele considerou que “dava-se uma ordem de serviço, e você teria a garantia que receberia pelo trabalho executado”. Já o parágrafo 4º, “impunha a necessidade de licença prévia antes da publicação do edital de obras e serviços, nos casos em que o licenciamento estivesse a cargo da administração”.
Pregão e outros problemas
Para o advogado Henrique Savonitti, a lei tem inúmeros pontos positivos, como o Portal Nacional de Contratações Públicas e o Registro Cadastral, que pode se tornar um instrumento importante de cadastro positivo de fornecedores, diminuir exigências de habilitação e ser utilizado em licitações de técnica e preço, “como acontece na União Europeia”. No entanto, ele procurou focar em três aspectos “problemáticos”, lembrando que até 1º de abril de 2023 ainda será possível usar tanto a nova lei, como a 8.666, devido à necessidade de adaptação e ainda regulamentação do normativo em nível federal.
A divisão das fases é o primeiro problema apresentado pelo advogado. “O artigo 17 prevê que o procedimento licitatório se desenvolva em sete fases. Embora tenhamos pregão e concorrência, o procedimento para ambos é igual, preferencialmente eletrônico. E ambos podem ser abertos ou fechados. No artigo 56, a lei esvazia uma concorrência nos moldes antigos. Se não pode usar o modo fechado, a concorrência vai ficar parecida com o pregão. Isso é fruto dessa obsessão pelo menor preço e pelo pregão, que faz com que as propostas cheguem a patamares inexequíveis. A lei não avançou para a proposta economicamente mais vantajosa, diferente da União Europeia”.
Outro problema foi o veto aos incisos I e II do parágrafo segundo do artigo 37, que trata do julgamento por melhor técnica ou por técnica e preço para a contratação dos serviços técnico-profissionais especializados com valores acima de 300 mil reais. “O que faz com que o serviço técnico profissional seja especializado não é o vulto da contratação, mas o fato de ser um serviço técnico especializado de natureza predominantemente intelectual. Se você for fazer a concorrência usando o menor preço para esse serviço, você estará contratando por meio de pregão, o que é inconcebível em razão da natureza desse tipo de serviço”.
As regras incompletas do artigo 115 para a execução contratual, por meio dos vetos aos parágrafos segundo, terceiro e quarto, já citados pelo presidente do Sinaenco, configuram-se em outra medida inadequada, na visão de Savonitti. “A conta vinculada que surgiu nos contratos de prestação de serviços continuados com dedicação exclusiva de mão de obra, como uma garantia da administração pública pelo inadimplemento dos encargos sociais e trabalhistas da contratada, poderia continuar sendo uma garantia da administração pública e também do particular”, disse, em relação aos parágrafos segundo e terceiro.
Já o parágrafo seguinte do mesmo artigo, refere-se ao licenciamento ambiental. “A nova lei prevê a possibilidade de a administração pública transferir para o particular a responsabilidade do licenciamento ambiental, o que é muito complicado. Uma das razões é a dificuldade de se obter o licenciamento ambiental. Outra é porque o licenciamento ambiental tem que estar interligado com uma política pública”, disse, enfatizando decisões do Tribunal de Contas da União sobre a importância do devido licenciamento ambiental pela administração pública.
Debate
No debate com o público online, Mingione comentou que há inúmeras regulamentações a serem feitas na nova lei, e o ministério da Economia já começou a fazer consultas públicas sobre a ordem cronológica de pagamentos, o que vai resultar em uma futura Instrução Normativa. “Mas com um prazo muito exíguo de sete dias”, disse, questionando sobre a possibilidade de ampliá-lo.
O consultor legislativo Rafael Amorim ponderou que, em relação à regulamentação, há a previsão de 50 regulamentos. “O Executivo está sendo cobrado por essa regulamentação mais célere possível. Então, a gente que trabalha com legislação sabe que o tempo tem relação com a qualidade de qualquer ato normativo. A gente entende que seria de fato interessante um tempo mais razoável, não só para discussão, mas para a própria compreensão do que a norma quer regulamentar. Mas a gente entende o poder Executivo está sendo pressionado para soltar esses regulamentos. Diferente da lei, eles têm uma dinamicidade para a alteração dos decretos mais à frente”, analisou.
Luciana Dutra fez o comentário sobre os prejuízos à imagem do setor público, perante instituições financeiras e investidores internos e externos, devido à inadimplência dos órgãos públicos. E questionou o deputado se ele acreditava na possibilidade que a garantia sobre a credibilidade, amplamente debatida pelo setor e pelo Congresso e vetada pela lei, volte a ser discutida.
“Tem chance sim. Conversei com o líder do governo no Congresso e disse que queria explicar cada ponto do que foi discutido e por que chegamos àquela conclusão. O líder foi solícito e disse que nos chamaria para discutir essa questão. Se a gente conseguir negociar com o governo, a gente já vai com maior facilidade para derrubar o veto. Se não, vai ser importante que todos os setores envolvidos expliquem a seus deputados, tenha essa mobilização para mostrar que esses vetos não estão corretos. Mas não vai ser fácil”, considerou Coutinho.
A presidente da Anetrans retomou ainda o veto ao parágrafo segundo do artigo 37, que, desincentivando a contratação com descontos exorbitantes nos leilões, poderia fornecer uma resposta às 14 mil obras públicas paradas no país. “Como engenheiro civil, tenho convicção de que nem sempre o projeto mais barato é o mais barato para o poder público, pelo contrário, você às vezes contrata o projeto mais barato e vai gastar muito mais na obra. Você tem que ter esse equilíbrio de técnica e preço. Houve muitas divergências sobre isso. E eu tenho a convicção de que o grande problema do Brasil são projetos malfeitos, que facilitam até os desvios de recursos. Mas desde o começo, o ministro (da Infraestrutura) Tarcísio Freitas discordava. Fizemos um limite, pegando as obras maiores só. E tem o agravante de que a 8.666 dizia que podia ser técnica e preço. Mas os tribunais de contas não aceitavam. A gente quis deixar isso claro no projeto, mas o governo vetou. Aí foi uma questão política. É legítimo. E vamos argumentar que o veto está equivocado. Precisa ver a qualidade quando paga barato e vai receber muito caro na obra”.
Henrique Nunes
Equipe de Comunicação do Confea