Brasília, 09 de fevereiro de 2024.
O Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência, celebrado anualmente em 11 de fevereiro desde 2016, foi oficialmente instituído pela Assembleia Geral das Nações Unidas. Essa data tem como propósito estimular discussões sobre a importância da participação igualitária das mulheres no campo científico, uma vez que as mulheres continuam sub-representadas, especialmente em áreas como ciência, tecnologia, engenharia e matemática (STEM, na sigla em inglês).
Segundo dados da Unesco, estima-se que apenas 30% dos cientistas do mundo sejam mulheres e apenas 35% de todos os estudantes das áreas de STEM são mulheres. No Brasil, informações do Painel Lattes, disponibilizado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), 54% (441.849) dos bolsistas são mulheres, sendo que dentro deste universo 179.457 são doutores e 262.392 são mestres. Em relação às engenharias, 32% são mulheres (23.070). Dados da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), de 2022, apontam que no Brasil elas representam 54% dos 395.870 matriculados em cursos stricto sensu, ou seja, mestrado e doutorado. Dos beneficiários da Capes com bolsas no país, 58% são mulheres. Em relação às engenharias, o número de mulheres cai para 34%.
Ao analisar esses dados, a diretora da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Mariangela Hungria, explica que: “No início da carreira, quando os pesquisadores conseguem bolsas de iniciação, mestrado e doutorado, as mulheres estão até à frente, em algumas áreas. Contudo, com o avançar da carreira científica, a desigualdade se aprofunda, sobretudo em áreas como engenharias e ciências exatas”, exemplifica a cientista. “Na sala de reunião das universidades, as mulheres são maioria na coordenação de cursos, entretanto reitoras são muito poucas. Assim como nas grandes empresas, os cargos de CEOs são na maioria ocupados por homens”, compara Mariangela.
A queda da proporção de mulheres na ciência conforme a carreira progride é conhecida como “efeito tesoura”.
Sobre o processo conhecido como "efeito tesoura", Fernanda Staniscuaski, representante do Parent in Science, explica que diversos fatores, como a maternidade e o assédio, contribuem para afastar as mulheres de um ambiente acadêmico muitas vezes hostil. Ela destaca que a maternidade tem um impacto significativo na carreira das mulheres, diferentemente dos homens, devido às normas sociais que atribuem às mulheres a responsabilidade pelo cuidado. “Precisamos de políticas que levem em consideração, nas métricas de avaliação científica, a pausa da maternidade, que traz uma velocidade diferente de produtividade. Além disso, precisamos de políticas de combate ao assédio. Mulheres, especialmente as negras, enfrentam grandes desafios dentro das instituições acadêmicas, o que inevitavelmente afeta sua permanência no sistema”, esclarece.
Ainda sobre a licença maternidade, Staniscuaski ressalta que não existe uma legislação que garanta a licença-maternidade para as estudantes. A Lei nº 13.536/2017 oferece quatro meses de licença para pós-graduandas, incluindo direito a bolsa e a possibilidade de prorrogação do prazo. “Essa lei trata da prorrogação das bolsas, ela não garante o direito de licença-maternidade para todas as estudantes. As que não são bolsistas não têm esse direito”, pondera. O movimento Parent in Science (PiS) foi criado em 2016, com o objetivo de promover discussões acerca do impacto da parentalidade na carreira de cientistas no Brasil.
Essas considerações ressaltam a importância de se avançar em políticas inclusivas no campo científico. A recente inclusão do período de licença maternidade no Currículo Lattes, a partir de 2021, representa um passo positivo nessa direção, o que pode facilitar a análise de indicadores sociais e o desenvolvimento de iniciativas para abordar desigualdades na produtividade científica, que afetam as mulheres com filhos, particularmente as mulheres negras. No entanto, os cuidados com outros familiares continuam a não ser considerados nas métricas de avaliação.
No decorrer do ano passado, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e o British Council realizaram uma série de eventos a fim de divulgar o Marco Referencial para a Igualdade de Gênero em Instituições de Ensino Superior no Brasil, que tem como objetivo enfrentar a discriminação, eliminar práticas e políticas excludentes e mudar comportamentos no ensino superior e na pesquisa do Brasil. No documento, a diretora de Engajamento Cultural, Diana Daste, destaca que: “No Brasil, a criação deste marco referencial busca apoiar as Instituições de Ensino Superior (IES) a abordar a sub-representação e desigualdades que as mulheres em geral, e especialmente mulheres negras, indígenas, quilombolas, entre outras, enfrentam em STEM”. Conheça o Marco Referencial para a Igualdade de Gênero em Instituições de Ensino Superior no Brasil.
O Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência coloca luz na necessidade contínua de promover a igualdade de gênero também no campo científico. Embora tenham avanços significativos, especialmente com iniciativas como a inclusão da licença-maternidade no Currículo Lattes e o surgimento de movimentos como o Parent in Science, ainda há muito a ser feito. É necessário continuar a lutar por políticas inclusivas que reconheçam e abordem os desafios enfrentados pelas mulheres na ciência. Somente por meio de esforços contínuos e colaborativos será possível criar um ambiente científico verdadeiramente equitativo e diversificado.
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Equipe de Comunicação do Confea
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