Público ou privado: eis a questão

Brasília, 29 de março de 2006


Idade Média. Após a queda do Império Romano, o mundo ficou fragmentado e sem uma perspectiva clara de futuro. Vieram o Renascimento, a Idade Moderna e as Revoluções Burguesa e Industrial. Foi a partir daí que os estados começaram a se organizar em torno do conceito de democracia que temos hoje.

No início do século XX, teve início um processo global de descentralização administrativa, em que o Estado, incapaz de desempenhar satisfatoriamente suas funções, criou braços articulados para responder às demandas da sociedade: nasciam as autarquias e, com elas, os conselhos profissionais. Este contexto criou as condições para o surgimento do Confea, hoje a maior comunidade profissional do mundo.

A pequena aula de história serviu para abrir a discussão sobre a natureza jurídica dos conselhos de fiscalização do exercício profissional, que integrou o Encontro Anual do CDEN e das Coordenarias de Câmaras Especializadas, em Brasília.

O autor da palestra, e do resgate histórico, foi o juiz Jorge Antônio Maurique, presidente da Associação dos Juízes Federais, um especialista em um setor que, por vezes, se encontra dividido entre o poder público e o privado.
 
A palestra teve exatamente o objetivo de dirimir essa dúvida: afinal, sob os olhos da Justiça, como se definem os conselhos profissionais? Para Maurique, a resposta é simples. Ele toma como exemplo a missão institucional dessas entidades: “Os conselhos profissionais, e o Confea não é exceção, exercem em nome do Estado, o poder de polícia sobre a profissão. A função do conselho é proteger a sociedade dos maus profissionais e impedir que pessoas inabilitadas exerçam atribuições estranhas à sua formação. Esse poder de polícia é da alçada pública”, define.

Mas ele lembrou que, no atual contexto, a missão dos conselhos é ainda maior. “Os conselhos têm ido além da fiscalização para desenvolver políticas públicas, por meio de projetos que, a princípio, não seriam de seu ofício”, observou.

Papel social
Maurique citou várias intervenções de caráter social realizadas pelos conselhos. No caso do Sistema Confea/Crea, exemplificam-se ações de regularização fundiária, programas de engenharia, arquitetura e agronomia públicas e o combate ao processo de favelização dos centros urbanos.

“A importância desse setor é tanta, que a própria Constituição Federal assegura a contribuição pública para a manutenção dos conselhos”, salientou Maurique antes de bater o martelo sobre a questão. “Os conselhos são autarquias públicas com o propósito específico de atender a uma parcela da sociedade. A própria cobrança das anuidades e a prática do poder de polícia corroboram para isso. Sem falar na obrigatoriedade que esses órgãos têm de contratar com o poder privado, via licitação. Isso é definidor do caráter de uma instituição como o Confea”.

Recorrer ao passado também é oportuno para se entender que nem sempre foi assim. Em 1998, quando o Estado brasileiro passou por um profundo processo de privatização, foi cogitada a perda do caráter público dos conselhos profissionais. “Felizmente, a idéia não vingou. Se isso acontecesse, os conselhos deixariam de exercer seu papel de fiscalização profissional para se tornarem meras entidades de classe”, opinou Maurique.

Ética
A discussão sobre a natureza jurídica dos conselhos também pendeu para uma questão recorrente da agenda pública: o comportamento ético das instituições e de seus componentes.  Maurique reafirmou a crise política que o país atravessa desde o ano passado e trouxe a discussão para o universo dos profissionais do sistema. “Quando um arquiteto ou engenheiro assina um projeto que não é seu e às vezes é feito até por um mestre de obras, quem está falando mais alto é o famoso ‘jeitinho brasileiro’. Não há falta de ética maior: o cliente é prejudicado, porque a obra não foi feita sob as especificações técnicas; os colegas de profissão também são lesados, porque isso tira deles uma atribuição inerente ao seu trabalho”, argumentou.

O assunto foi acompanhado atentamente pelo auditório e, ao fim da exposição, Maurique recebeu os cumprimentos do presidente Marcos Túlio de Melo. O debate ético tem sido uma constante nos eventos organizados pelo Confea, desde o início da gestão de Marcos Túlio. Isso porque o tema, juntamente com a austeridade financeira do conselho, é uma das principais missões propostas pelo presidente, empossado no início desse ano.

No fim do primeiro dia do encontro, Marcos Túlio apresentou aos líderes do Cden e aos coordenadores de câmaras, o novo Confea, suas metas de gestão e propostas de parcerias entre as entidades do sistema.

Ele detalhou cada ponto de sua proposta de mandato, em especial o esforço para o engajamento do Confea nas questões sociais e na agenda estratégica de desenvolvimento do país.


Sandro Farias
Da equipe da Acom

Foto: Sérgio Seiffert