Brasília, 18 de março de 2024.
Aos 27 anos, a engenheira Júlia Beltrame desponta como um dos talentos mais promissores de sua geração. Ela lidera a unidade americana de pesquisa e desenvolvimento da empresa Serviços e Monitoramento de Equipamentos (Semeq) e faz parte do laboratório de inovação (HiLab) da Universidade de Harvard, onde também cursa mestrado, consolidando-se como especialista em Inteligência Artificial (IA). Durante a entrevista, Júlia compartilha insights valiosos e anuncia que no dia 22 de maio vai palestrar no Crea-SP.
Confea: Como é a experiência de fazer mestrado em Harvard, especialmente vindo de uma formação em engenharia da computação no Brasil? Quais diferenças e semelhanças você percebe?
Júlia Beltrame: A experiência de fazer mestrado em Harvard, especialmente vindo de uma formação em engenharia da computação no Brasil, é um sonho realizado para mim. Percebo várias diferenças e semelhanças em relação ao ambiente acadêmico brasileiro. Harvard é um lugar onde a comunidade valoriza muito o conhecimento e está sempre em busca de mais informações. Faço parte de um grupo chamado PUB (Pesquisadores Universitários Brasileiros), onde nos reunimos mensalmente para palestras de diversas áreas do conhecimento, o que enriquece muito a experiência.
O networking, o compartilhamento de conhecimento são aspectos muito valorizados aqui, e isso transforma tanto o ambiente quanto as pessoas. No entanto, é importante ressaltar que estar em Harvard também é custoso. Os recursos disponíveis, como acesso a laboratórios de inovação e professores renomados, são abundantes, mas em relação às pessoas, acredito que os brasileiros têm características como resiliência, flexibilidade e vontade de trabalhar que os destacam. Enquanto muitos americanos encerram o expediente às 17h, os brasileiros estão dispostos a trabalhar até mais tarde e encontrar soluções criativas para os desafios. Acredito muito no potencial dos brasileiros e vejo neles força e determinação únicas.
Confea: Quais são suas áreas de interesse ou pesquisa no mestrado em Harvard e como elas se relacionam com suas experiências anteriores e suas aspirações futuras na engenharia de software?
Júlia Beltrame: Minha paixão pela Inteligência Artificial começou desde minha graduação e foi um dos motivos que me levou a estudar em Harvard, onde busco conhecimentos em tecnologias de ponta nesta área. Além disso, tenho interesse em Big Data e estou cursando um certificado em Ciência de Dados. Esses conhecimentos estão diretamente ligados à minha experiência anterior e futura. Trabalho durante o dia na empresa Semeq, especializada em engenharia de manutenção preditiva, que pertence à minha família. Com mais de 30 anos de história e milhares de sensores instalados globalmente, desenvolvemos nossos próprios algoritmos de Inteligência Artificial. Busco aplicar os conhecimentos adquiridos em meu mestrado para otimizar os processos de manutenção, contribuindo assim para a evolução tecnológica da empresa.
Confea: Como você enxerga o papel das mulheres na engenharia de software, especialmente em contextos acadêmicos e profissionais de alto nível como Harvard e na indústria em geral?
Júlia Beltrame: Atualmente, na indústria de STEM (sigla em inglês para ciência, tecnologia, engenharia e matemática) as mulheres representam apenas 33,3%. Acredito que as mulheres devem ser incentivadas nessas áreas e vejo isso refletido na Universidade de Harvard, que oferece bolsas integrais para mulheres nessas áreas, incentivando assim a participação feminina e promovendo uma visão diversificada e a oportunidade de brainstormings.
Em Harvard, nunca enfrentei discriminação de gênero; todos, independente de gênero, devem demonstrar seu valor. A diversidade de perspectivas entre homens e mulheres é importante para gerar ideias inovadoras e de alta qualidade, por isso eu acredito na igualdade de gênero.
Confea: Como a IA pode ser aplicada para otimizar processos de engenharia, agronomia e geociências? Você teria exemplos?
Júlia Beltrame: A inteligência artificial é fundamental para otimizar processos, pois consegue identificar padrões em grandes conjuntos de dados. Por exemplo, ao analisar dados de colheita, pode perceber que a chuva antecipa o momento da colheita. A IA também é capaz de categorizar imagens, reconhecendo características específicas. Essa capacidade de identificar padrões ajuda na tomada de decisões e na categorização de informações.
Em resumo, a inteligência artificial pode otimizar os processos em áreas como engenharia, agronomia e geociência ao identificar padrões em conjuntos de dados, permitindo tomar decisões mais rápidas e precisas com base nas informações consultadas previamente.
Confea: Quais são as habilidades fundamentais que os engenheiros devem desenvolver para trabalhar efetivamente com IA?
Júlia Beltrame: Depende do nível técnico que a pessoa quer atuar dentro da Inteligência Artificial. Compreender o funcionamento básico da IA incluindo sua capacidade de identificar padrões em dados, é fundamental. Dependendo do contexto, o nível técnico necessário pode variar, mas entender os princípios básicos da IA é essencial para todos os profissionais que desejam trabalhar nesse campo e, nesse caso, a matemática discreta e estatísticas são importantes.
Para desenvolver algoritmos de IA é preciso dominar áreas como Cálculo, Matemática Discreta, Estatística, Linguagens de Programação (especialmente Python), Teoria de Grafo. No mestrado eu fiz diversas disciplinas de dados como Big Data e as disciplinas avançadas em Deep Learning também são úteis para entender diferentes tipos de redes neurais.
Confea: Como você vê o papel do Sistema Confea/Crea no contexto de tanta inovação, como a IA?
Júlia Beltrame: A inovação, especialmente no campo da Inteligência Artificial, é constante e exige atualização contínua dos profissionais. Um exemplo é a iniciativa em Singapura de oferecer uma segunda faculdade para pessoas acima de 40 anos, reconhecendo que a tecnologia avança rapidamente e que é necessário atualizar o conhecimento. É importante que profissionais e organizações proporcionem essa atualização constante, fornecendo informações de qualidade, destacando a ética e as tecnologias emergentes, para garantir um avanço sustentável na engenharia.
Confea: Para quem ainda está na graduação quais recomendações você faria?
Júlia Beltrame: Devemos cultivar um pensamento analítico e crítico, desenvolvendo habilidades através de disciplinas e experiências que nos desafiem. O estudo do cálculo, por exemplo, não se resume apenas às fórmulas, mas também à construção de um pensamento analítico para solucionar problemas complexos. É essencial manter-se atualizado e não se acomodar, entendendo o que a inteligência artificial pode e não pode fazer, e explorando áreas em que nossa humanidade e criatividade se destacam.
Aproveito para convidar as pessoas para participarem da palestra que vou realizar no dia 22 de maio no Crea-SP. Será uma grande oportunidade de trocarmos mais informações sobre esse tema tão atual.
Fernanda Pimentel
Equipe de Comunicação do Confea
Fotos: Arquivo pessoal