Engenheiros estudam vantagens do agrovoltaico para o Brasil

Brasília, 5 de fevereiro de 2024.

Entregar ao produtor rural um modelo de negócio rentável, seguro e capaz de integrar produção agropecuária e de energia solar em um mesmo terreno. Esse é o mote de uma pesquisa que está sendo desenvolvida em Minas Gerais com a participação de engenheiros de diversas modalidades.

Intitulado Sistema Agrovoltaico, o projeto-piloto da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig) promete intensificar atividades econômicas de modo sustentável, como afirma a pesquisadora da instituição e engenheira agrícola Polyanna Oliveira. “Diferentemente do sistema fotovoltaico tradicional, o agrovoltaico permite produzir alimentos e energia solar numa mesma área”, explica o conceito de duplo uso da terra, criado pelos professores Adolf Goetzberger e Armin Zastrow, em 1981, e que ganhou força na década passada por gerar vantagens ambientais, produtivas e econômicas. 

De acordo com a doutora em Engenharia Agrícola, a literatura demonstra que o sistema aumenta a eficiência do uso do solo, permitindo produzir alimento e eletricidade simultaneamente; e amplia a eficiência do uso da água, reduzindo em 30% a quantidade necessária. “Isso porque os painéis solares formam sombra e um microclima capaz de diminuir a evapotranspiração das culturas”.  

Polyanna sinaliza que questões como essa e sobre viabilidade econômica estão no escopo do projeto da Epamig desenvolvido em parceria com a Cemig e o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPQD), além da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico e do Instituto Fraunhofer, da Alemanha e do Chile. Serão investidos R$ 10,5 milhões nesta iniciativa que faz parte do programa PD&I da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
 

Coreia do Sul: módulo fotovoltaico compacto no arrozal. Alemanha: arcos deslizantes permitem ajustar módulos, protegendo ou expondo a terra


Preparativos
No quinto mês de cronograma, a experiência está na etapa de desenvolvimento de estruturas e sondagem dos terrenos de aproximadamente 400 m² cada, localizados em duas unidades experimentais da Epamig. Na parte Central do estado, no município de Prudente de Morais, o teste será com bezerras de leite e pastagem. No Norte de Minas, em Jaíba, serão cultivados alface, feijão, melão e morango.  

A escolha do que será plantado foi baseada no prazo de execução que é de 30 meses. “São culturas de ciclo mais curto que dão respostas rápidas”, esclarece Polyanna, responsável por coordenar a frente de trabalho da Empresa de Pesquisa dentro do projeto. “Sabemos que, em termos de Minas Gerais, o café seria uma cultura com potencial imenso neste sistema, mas demandaria, no mínimo, quatro anos de produção e teríamos que ter um terreno dedicado somente para essa produção perene, sem a possibilidade de testar outras culturas”, acrescenta.   

Os modelos de painéis solares já estão definidos, segundo a pesquisadora. “Serão testadas placas monocristalinas e bifaciais, que são as que produzem energia tanto direta quanto a refletida, o sistema fixo e o tracker, que é o que acompanha o movimento do sol”.  

A perspectiva de produção de eletricidade é de aproximadamente 20 kWp em cada piloto, ou seja, aproximadamente 2400 kWh/mês, sendo o suficiente para abastecer um escritório com 20 pessoas. O experimento prevê ainda a instalação de uma usina tradicional e o cultivo de plantas em pleno sol, de modo paralelo, para que os resultados dos dois sistemas sejam comparados corretamente.
 

Chile: operações agrícolas mecanizadas. França: sistema fotovoltaico integrado com a criação de cordeiros

 

Expectativas
Ao longo do estudo, serão analisados o comportamento das plantas, o bem-estar dos animais e o funcionamento das placas solares. A expectativa é confirmar premissas difundidas em estudos científicos, como a ampliação da área para geração fotovoltaica sem competir com a produção de alimentos, a proteção das criações e culturas, a redução da necessidade de irrigação e a diminuição do custo da área consorciada. 
 

Com suporte de engenheiros agrícola, eletricista, civil, de automação e segurança do trabalho, além de biólogos, zootecnistas e veterinários, a iniciativa é desenvolvida para gerar benefícios práticos 

“A expectativa é entregar para o produtor rural um modelo de negócio para produção no sistema agrovoltaico, que inclua metodologia e caderno de boas práticas com orientações para implantação e indicações sobre a área mínima, as melhores culturas e altura de maquinário, por exemplo”, adianta Polyanna, acrescentando que o manual irá recomendar o acompanhamento de um profissional habilitado e registrado, considerando as possibilidades de acidentes com equipamentos. “Há muitas potencialidades, mas há muitos riscos inerentes à agricultura e em uma área energizada, por isso é essencial que o produtor não se arrisque a implantar o sistema sozinho, mas que seja orientado a trabalhar com segurança”, alerta a engenheira.   

Também está prevista a elaboração de proposta de regulamentação para o sistema agrovoltaico. “Não há definição sobre o assunto no Brasil. Hoje nos baseamos na norma alemã DIN SPEC 91434, que define os padrões de altura e distância das placas, por exemplo”, comenta.
 

 

>> Dicas da engenheira agrícola Polyanna Oliveira para os interessados em seguir carreira no segmento agrovoltaico: 

  • Atualize-se! Busque conhecer a literatura científica sobre o tema. 
  • Se houver oportunidade de fazer intercâmbio, aproveite para conhecer experiências e ver como o sistema funciona na prática em outros países. 
  • Invista em especialização e networking para trocar informações com pesquisadores e profissionais e, assim, conhecer as potencialidades e os desafios do segmento.

 

Experimento em lavoura
Por falar em networking, a engenheira Polyanna planeja conhecer mais a fundo o estudo com cana-de-açúcar que é realizado, desde dezembro de 2021, por professores do curso de Engenharia de Energia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e recebe investimento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado (Fapeal).  

Na região, é crescente a procura pela produção de energia solar. No entanto, os proprietários rurais esbarram na dificuldade de associar essa atividade econômica com a lavoura de cana, o que pode ser resolvido com as técnicas do agrovoltaico, como salienta o docente Ricardo Araújo, que é engenheiro agrônomo, mestre em Produção Vegetal e doutor em Energia na Agricultura. “Os sistemas agrofotovoltaicos, que integram produção agrícola para produção de alimentos ou de biomassa para outros fins e a geração de energia fotovoltaica renovável, oferecem uma solução potencial para o problema da economia da terra”. 
 

 

Os resultados coletados no primeiro ano já apontam a eficiência do novo método, se comparado ao sistema tradicional. Na área com 210 placas solares, foi observado que a produção de cana pode ser de 6% a 23%, enquanto a expectativa de geração de energia é de 9 MWh/mês. Outro potencial é a cogeração de energia pela queima do bagaço, considerado uma fonte de biomassa.    

De igual modo, os riscos estão sendo monitorados. “Com a altura atingida pelas plantas de cana e colheita mecanizada, os painéis precisam ficar muito elevados, há também o risco de acidentes com as grandes máquinas agrícolas e possibilidades de incêndio”, adverte o especialista, ao reforçar a importância de profissionais capacitados acompanharem de perto o desenvolvimento de novos formatos de tecnologias e atividades econômicas.


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Julianna Curado
Equipe de Comunicação do Confea, com informações da ALMG, Canal Solar, Epamig e Ufal
Fotos: divulgação da Epamig e Ufal