Lei n° 10.098 - Após 10 anos a Lei da Acessibilidade começa a sair do papel

Cuiabá, 31 de março de 2011

Há dez anos está em vigor a Lei n° 10.098 que dispõe sobre as normas e critérios para a promoção de acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência física ou com mobilidade reduzida. Mas o que é acessibilidade? Quais as mudanças realizadas nos últimos anos em virtude desta Lei e de outros instrumentos legais que garantem o direito de locomoção e deslocamento dos cidadãos nas cidades?

Nesta entrevista, estas e outras questões serão respondidas por José Antonio Lanchoti, arquiteto e urbanista, presidente da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo (ABEA), conselheiro suplente do Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (Confea), professor do Centro Universitário Moura Lacerda, em Ribeirão Preto, São Paulo, e colaborador do Ministério das Cidades na formatação do Programa "Brasil Acessível".

O Programa "Brasil Acessível" foi criado em 2004 com o objetivo de estimular e apoiar os governos municipais e estaduais a desenvolver ações que garantam a acessibilidade para pessoas com restrição de mobilidade e deficiência aos sistemas de transportes, equipamentos urbanos e a circulação em áreas públicas.

Cidade em Revista: A acessibilidade e mobilidade urbana significa, para quem trabalha com o assunto, não apenas permitir que pessoas com deficiência tenham o direito de ir e vir, mas também que nossa sociedade seja conscientizada para mudar atitudes. Qual a importância da legislação, se realmente aplicada nas cidades brasileiras?

José Antônio Lanchoti: A questão da legislação é muito importante porque vem regulamentar de uma forma uniformizada em todo o Brasil quais são os procedimentos, os prazos, o que deve ser feito para que a gente consiga o direito de ir e vir de todas as pessoas, e isso em todo o Brasil. Se eu não tenho uma legislação, eu fico muito a mercê de cada município, e corre-se o risco de cada um ter um procedimento e nós não vamos ter uma questão universal para todos. E essas pessoas com deficiência, elas se deslocam de uma cidade para outra. Então, é necessário que tenhamos um padrão de exigência.

Cidade em Revista: Desde dezembro de 2008, todas as empresas, e desde junho de 2007, os órgãos públicos e entidades são obrigados a cumprir a regulamentação sobre acessibilidade. A não observância dessas regras é passível de punição cível e criminal. A legislação está saindo do papel?

José Antônio Lanchoti: Em alguns municípios, sim. A gente tem assistido nessas andanças que fazemos em diversas cidades brasileiras, nós já encontramos cidades que avançaram através ou de um organismo municipal que tem incentivado às adequações, ou até do Ministério Público, um pouco mais atuante e cobrado de forma legal para que isso aconteça. Nós temos encontrado em algumas cidades essa situação saindo do papel e se tornando realidade para a sociedade.

Cidade em Revista: Quais os itens de adaptação que já tiveram o prazo vencido pela legislação?

José Antônio Lanchoti
: Temos quase todos os prazos vencidos exceto prazo do transporte público. Itens como o acesso a edifícios públicos, permanência e a utilização de ofertas que esses prédios venham a trazer, como escolas, saúde. Esses são os pontos principais que gostaríamos que estivessem contemplados, e o ponto básico de todos está na mão da própria administração pública municipal, que são as calçadas.

Hoje nós temos total abandono das calçadas brasileiras, não há grandes investimentos, quando muito um investimento privado fazendo a adequação do seu edifício, ele mexe na calçada, mesmo assim o município, em alguns casos não tem uma legislação própria, ou o proprietário acaba fazendo o que ele acredita que é importante e necessário, ou o que o profissional disse que deveria ser feito. Não tendo essa padronização, nós temos a produção da cidade de forma inacessível e isso é um grande problema.

Cidade em Revista: Quando não cumprido o prazo, o que deve ser feito?

José Antônio Lanchoti: O transporte coletivo é uma concessão da prefeitura municipal. A utilização das calçadas, que é uma área pública, é de competência da prefeitura. Os prédios públicos só podem ser reformados e ter alvará de funcionamento com a autorização da prefeitura. Então percebemos que a administração municipal tem total domínio sobre a questão da acessibilidade. Cabe a ela ter esse poder de polícia. Quando a população se sentir lesada, que não está sendo atendida, cabe a ela entrar com uma ação do Ministério Público solicitando que a legislação, que está em vigor, seja cumprida.

Cidade em Revista: Na engenharia e no urbanismo, a acessibilidade tem sido uma constante preocupação, mas a justificativa para a falta da acessibilidade é quanto ao custo da obra. Isso é verdade? E como fazer para mudar a atitude dos profissionais e gestores?

José Antônio Lanchoti: A questão do custo é parcialmente verdade. Temos a retro adaptação, ou seja, mexer em uma obra já existente para deixá-la acessível, vai ter um custo adicional, óbvio. Ela foi construída sem um banheiro acessível, vou ter destruir esse banheiro e fazer um novo banheiro. Ela foi prevista somente com escadas, eu vou ter que prever um elevador. Isto terá gastos, mas estudos comprovam que se o projeto for feito adequadamente na questão da acessibilidade, esse acréscimo não passa de 0,01%, porque os custos se distribuem ao longo da obra, e isso vai se diferenciar de acordo com o porte da obra.

Cidade em Revista: Mas o senhor está em Cuiabá por outro trabalho, a convite do Instituto Muito Especial do Rio de Janeiro, que está desenvolvendo um Guia de Turismo Acessível nas cidades que serão sede da Copa do Mundo de Futebol de 2014. Como este Guia está sendo desenvolvido?

José Antônio Lanchoti: O Instituto me convidou para fazer este trabalho, em parceria com o Ministério do Turismo, porque o Ministério tem a intenção de mostrar aos investidores da área do Turismo que existe um público interessado em fazer turismo pelo Brasil. E também tem interesse de mostrar a esse público que já existem condições mínimas de acessibilidade para que eles possam fazer essa mobilidade dentro do Brasil, em vários locais.

Fizemos um recorte inicial com as cidades que serão sede da Copa do Mundo de 2014, esse é o volume 1, a ideia do Ministério é no ano seguinte fazer nas demais capitais brasileiras, depois nas cidades com mais de 500 mil habitantes, e na sequência, em 2013, nós iremos repetir nas cidades da Copa.

A metodologia que estamos utilizando é visitar cada uma das cidades sede, fizemos uma amostragem das instalações turísticas como os hotéis, restaurantes, os pontos turísticos, as condições de mobilidade com o transporte público e também com o privado, através de táxis e vans, avaliando os aeroportos e as rodoviárias e apontando quais são as condições que eles encontram favoráveis de acessibilidade.

O Guia terá uma parte indicando quais são as condições ideais que se esperaria com a acessibilidade e depois em cada um dos equipamentos vamos mostrar: este hotel atende tantas pessoas em cadeiras de rodas, este restaurante atende pessoas que tem deficiência visual. Esta é a metodologia que estamos utilizando. O Guia não terá um caráter punitivo, e nem de apontar as deficiências do local, ele apenas vai apontar aquilo que há de positivo para essas pessoas nas 12 cidades brasileiras.

Por Rafaela Maximiano | Gecom/Crea-MT