III FSMMarina Silva faz testemunho concorrido no III FSM e concede entrevista coletiva à imprensa

Porto Alegre (RS), terça-feira, 28 de janeiro de 2003. Ex-seringueira, vítima - várias vezes - de doenças
"Marina Silva, ministra do Meio Ambiente"
infelizmente ainda comuns na Amazônia como malária e hepatite, com uma aparência frágil que não traduz sua força e determinação, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, fez um dos testemunhos mais concorridos no III Fórum Social Mundial, em Porto alegre. Centenas de pessoas se acotovelaram na tarde do dia 27, suportando muito calor e desconforto, para ouvi-la contar um pouco da sua história - relato constantemente interrompido por aplausos- que revelou uma vida de muitas dificuldades, uma pessoa simples, com personalidade firme, perseverante, de muita fé em Deus e de uma ética aos moldes de Chico Mendes. Leonardo Boff, presente ao testemunho, a definiu como a mais verdadeira expressão de ternura, de firmeza, de ética, da nossa identidade negra, mestiça e feminina. "Ela é a mais autêntica expressão dos povos da floresta", disse. Em seguida, em entrevista coletiva à imprensa, ela demonstrou perfeita sintonia com a política do governo Lula, respondendo questões que trataram de transgênicos, turismo ecológico, energia nuclear até educação ambiental. Confira! Imprensa - O Brasil apresenta diferentes problemas nos seus diversos biomas, como serão tratadas, pelo seu Ministério, questões como o da Cerrado, por exemplo?Marina Silva - Iremos tratar com a devida preocupação e cuidado que precisa ser dedicado a cada um deles. O Cerrado precisa de uma atenção especial em função da constante expansão da fronteira agrícola, da mesma forma que a Amazônia precisa de um tratamento especial, a mata atlântica, a caatinga, os campos do sul. Nós queremos, no governo, dar um tratamento adequado para todos os grandes biomas na medida das suas necessidades. Já existe um grupo trabalhando a questão do Cerrado. O nosso secretário de biodiversidade e floresta está atento às propostas quem já vêm sendo elaboradas para que, a partir daí, a gente possa apresentar um conjunto de ações do Ministério, em articulação com os demais Ministérios.Imprensa - Na última feira de Turismo, realizada na Holanda, falou-se muito em aumentar o turismo para a Amazônia. Já existem várias empresas interessadas. Como será feita a compatibilização entre turismo e preservação ambiental?Marina Silva - O turismo ecológico é de responsabilidade do ministério e temos muitas oportunidades desde que ele seja feito adequadamente, mediante os critérios de sustentabilidade. Sabemos que existem muitos espaços, sobretudo para o turismo científico e no caso da Amazônia, essa oportunidade se coloca como um instrumento de geração de emprego, de atender as demandas sociais em comunidades, como é o caso do que já temos na reserva de Chico Mendes. É uma oportunidade que tem que ser adequada às necessidades de preservação ambiental e de preservação da diversidade cultural existente na região.Imprensa - Na Rio +10, em Joanesburgo, falou-se muito em um tipo de colaboração entre empresas e organizações de meio ambiente, como é que a senhora vê essa iniciativa?Marina Silva - Toda e qualquer empresa de boa fé que queira contribuir para o desenvolvimento sustentável, preservando o meio ambiente, será muito bem- vinda. Isso precisa ser feito em parcerias com as organizações sociais e comunitárias. É claro que o desenvolvimento sustentável não pode ser visto como uma panacéia para todos os problemas ambientais, mas é uma grande contribuição e sem participação do setor produtivo iremos sempre fracassar, porque, em última instância os recursos são manejados. Se não tivermos a consciência e o investimento adequado por parte dos empresários, por parte da comunidade produtiva, estaremos fazendo uma política ambiental puramente de comando e controle. E o que nós queremos é combinar os instrumentos de fiscalização de repressão ao crime ambiental com ações concretas, viabilizando as formas corretas de fazer.Imprensa - O Presidente Luis Inácio Lula da Silva sugeriu em Davos a criação de um fundo para combater a fome e a miséria no terceiro mundo. O que a senhora acha disso, acredita que é viável?Marina - É altamente oportuno, possível e se constitui como uma necessidade para o planeta. Nós vivemos num mundo em que a civilização foi capaz de produzir o que há de mais sofisticado em comunicações, em transporte, engenharia genética e temos pessoas que não têm habitação, saúde, passam fome. Acho que os países ricos têm que criar uma oportunidade de inclusão social para os dois milhões de seres humanos que estão abaixo da linha da pobreza, para evitarmos aquilo que o Sebastião Salgado falou uma vez, de que os 20% de incluídos estão criando uma fuga para o futuro deixando para traz 80% da população do planeta. Se existe alguma utopia a ser seguida é a de preservarmos corretamente os recursos ambientais e de não permitirmos que a raça humana seja bifurcada entre seres humanos de primeira classe e os de segunda classe, como a gente já percebe hoje com tamanha exclusão social. A proposta é oportuna e deve ser levada a cabo pelos países ricos.Imprensa - Em seu discurso de posse, a senhora disse que vai trabalhar para que o meio ambiente seja um tema transversal de todo o governo. Existe para isso uma agenda mínima com os outros ministérios, uma agenda comum?Marina - Já estamos trabalhando uma agenda comum, numa relação com os Ministérios. Este processo será liderado com o chefe da Casa civil, ministro José Dirceu e tanto o ministério do Meio ambiente, como o da Agricultura, da Reforma Agrária, de Minas e Energia estarão agindo de forma integrada. É claro que esse é um processo em construção e os temas que dizem respeito aos ministérios de cada um nunca serão tratados de forma isolada. No caso do ministério do Meio Ambiente, em que a transversalidade é fundamental e estratégica, ficaremos sempre atentos para promover esse diálogo e essa interação. Mas essa agenda comum já está sendo pensada com todos os setores e uma delas eu posso adiantar: no âmbito da reforma tributária estaremos participando no sentido de criarmos instrumentos econômicos para a viabilização do desenvolvimento sustentável, bem como repensar as agências de desenvolvimento como é o caso do BNDES, BASA, Suframa, Banco do Brasil, entre outras, para que a variável ambiental esteja incorporada em suas ações.Imprensa - Como é que o seu ministério avalia a construção da terceira usina de Angra dos Reis?Marina - Essa é uma discussão que está sendo feita dentro do governo. Como o presidente Lula falou, nós não vamos adiantar posições de ministros de forma isolada, vamos criar uma posição de governo, muito embora o do Meio Ambiente tenha sua posição a defender no âmbito do governo.Imprensa -Nessa linha de seguir a política do governo, não existe o perigo da política do meio ambiente ser submetida às metas de crescimento?Marina - A política do governo vai levar em conta nos aspectos ambientais as estratégias do governo. Tanto eu como várias pessoas que ocupam hoje cargos importantes, temos ao longo da nossa vida pública, lutado para que a política ambiental do país não fique subordinada aos interesses comerciais e a lógica de mercado. Todas essas questões já fazem parte do conjunto de preocupações do governo. O que disse é que iremos construir uma política de governo ao invés de ficarmos anunciando políticas isoladas, porque isso iria na contramão do que eu venho dizendo que é a adoção de uma política de transversalidade. Não seria eu a atirar a primeira pedra contra a transversalidade.Imprensa - Como o Ministério atuaria em relação aos transgênicos, principalmente, levando em conta essa transversalidade que a senhora falou?Marina - Em relação aos transgênicos, o que prevalece como posição do governo é o princípio da precaução. Como não temos segurança com relação aos danos que podem ser causados nem a saúde, nem ao meio ambiente, a posição do Brasil é de cautela. Não somos contra os transgênicos nem ideológica nem politicamente, nossa posição é única e exclusivamente no campo da bio segurança, dos danos que poderão ser causados às pessoas e ao meio ambiente. A pesquisa poderá acontecer dentro das normas, todavia a liberação com fins comerciais não está colocada no cenário da atual política brasileira.Imprensa - Como é que está a pesquisa sobre os transgênicos no Brasil?Marina - Temos experimentos feitos tanto por empresas privadas como pela própria Embrapa e essas pesquisas têm o objetivo de nos dar as respostas à luz da realidade brasileira, onde nós temos uma biodiversidade muito grande, há uma enorme diversificação de espécies, diferentemente dos lugares onde foram feitas as pesquisas iniciais (Estados Unidos, Canadá) onde não existe diversidade. Dessa forma., não achamos prudente considerar que os estudos válidos para a realidade destes países sejam aplicados para o Brasil.Imprensa - Como será tratada a questão da educação ambiental?Marina - Vamos trabalhar um projeto para a educação ambiental em parceria com o ministério da Educação e os diferentes segmentos da sociedade. Ainda estamos na fase de composição de governo, estamos definindo a pessoa que vai trabalhar educação ambiental dentro do governo. Achamos que já existe alguma coisa que são acúmulos, que podem ser transformadas em políticas públicas em todos os aspectos, outras precisam ser melhor aprofundadas, requalificadas. Há um interesse muito grande em tratarmos essa questão. Não temos como fazer frente às necessidades de um país com a dimensão do Brasil, com a quantidade de recursos naturais que o país tem se não for utilizando o maior capital que nós temos que é o da consciência, de uma forma diferente de pensar o desenvolvimento, o progresso. Acreditamos que progresso significa também preservar recursos naturais, ter água potável, ter um ar limpo para poder respirar, e sobretudo, condições de vida digna para as pessoas.Imprensa - Um dos grandes problemas que nós temos com relação ao meio ambiente é a falta de planejamento, como a senhora pretende conciliar o planejamento nas cidades com a questão ambiental?Marina - Voltamos à transversalidade de novo. Já tivemos uma audiência com o ministro das Cidades, Olívio Dutra, para que possamos estar fazendo uma ação conjunta naquilo que é da competência do Ministério do Meio Ambiente e daquilo que é da competência do Ministério das Cidades, inclusive para evitar os riscos ambientais que vemos hoje ocorrerem a cada ano, quando as pessoas só agem quando estão acontecendo as desgraças que vitimam sempre os mais pobres. Vamos fazer um trabalho integrado, visando dar um atendimento a problemática ambiental também dentro dos grandes centros urbanos, tanto no que se refere a ocupação indevida das margens dos rios, dos córregos, nos morros como no que se refere a poluição atmosférica, abastecimento de água, tratamento de lixo. Há uma grande quantidade de problemas a serem tratados, e ainda bem que o nosso governo está tentando dar respostas a todos eles, em parceria tanto com os outros setores do governo, como com os governos estaduais, municipais e a sociedade civil organizada.
Bety Rita Ramos - Da equipe da ACS