Brasília, 16 de fevereiro de 2024.
Imagine habitar um prédio que disponha de controle inteligente para consumo de energia, sistema de ventilação e iluminação naturais e geração de eletricidade a partir de fontes renováveis. Que tenha sido construído com madeira certificada e concreto de baixo carbono. E que, por tudo isso, o empreendimento tenha mais valor agregado e baixo custo de condomínio, seja mais confortável e reconhecido com certificação internacional de sustentabilidade.
A concretização desse cenário, que parece saído de uma propaganda eco-futurista, pode em breve virar realidade com o incentivo que o governo brasileiro pretende dar para construção de prédios com zero emissão de carbono, os chamados net-zero. De acordo com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), a meta é mitigar as emissões de gases de efeito estufa do setor da construção civil por meio do aprimoramento do arcabouço político-institucional, de projetos-piloto, implantação de inovações tecnológicas, capacitação e disseminação de boas práticas.
“O Brasil ainda não tem uma política ou programa para promover ativamente edifícios net-zero. Ações de fomento à pesquisa, ao desenvolvimento tecnológico e à inovação precisam ser fortalecidas para que novos produtos e soluções entrem e sejam absorvidos pelo mercado”, afirma o assessor da Secretaria de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação do MCTI, Gustavo Ramos, que acompanha o projeto.
A iniciativa irá se estender até 2029 e receberá cerca de US$ 10 milhões em recursos não reembolsáveis do Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF, na sigla em inglês), tendo o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) como agência implementadora. O governo do Brasil deverá apresentar uma contrapartida por meio de linhas de crédito e financiamento. A medida irá auxiliar o país a atingir as metas estabelecidas na Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) e alcançar a neutralidade de carbono prevista para 2050.
Na avaliação do professor do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da Universidade de Brasília (UnB) Cláudio Henrique Pereira, o projeto do MCTI para descarbonizar a construção civil tem potencial para produzir resultados não apenas ambientais, mas socioeconômicos. “Poderá gerar oportunidades de novos negócios, empregos e renda, ocasionando uma possível mudança de comportamento e consequentemente um incremento na busca da eficiência ambiental. Isso é fundamental para lidar com as mudanças climáticas e seus impactos”, comenta o engenheiro civil.
Ele aponta que a meta net-zero pode impulsionar a criação de soluções construtivas mais sustentáveis e eficientes em termos energéticos, tornando os edifícios mais confortáveis e econômicos, a longo prazo. “Podemos esperar ver inovações como sistemas avançados de monitoramento e controle para otimizar o desempenho energético dos edifícios, permitindo ajustes em tempo real com base nas condições ambientais e no uso do espaço; e sistemas para integrar energias renováveis, como painéis solares, sistemas de energia eólica e tecnologias de armazenamento de energia. Além disso, poderemos ter avanços em tecnologias de isolamento, iluminação eficiente, sistemas de aquecimento e resfriamento de baixo consumo energético, e gestão inteligente de energia”, exemplifica o doutor em Estruturas e Construção Civil.
Segundo o vice-presidente de Meio Ambiente e Sustentabilidade da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), engenheiro civil Nilson Sarti, a temática da descarbonização já tem tomado força no setor da construção. A busca por eficiência energética, segundo ele, tem estimulado a criação de tendências tecnológicas e modelos construtivos. “Podemos citar como exemplos a construção com madeira, que tem se destacado por tornar a construção menos emissora de gases efeito estufa, usando um material que captura carbono. As certificações ambientais dos edifícios, cada vez mais comuns, ajudam na redução de custos de condomínio para os moradores. Além do uso de energias renováveis, como a fotovoltaica e, principalmente, da gestão eficiente da água, um recurso finito que deve ser usado de forma integrada”, elucida Nilson.
Edifício net-zero ou edifício energia zero é projetado para produzir a mesma quantidade de energia renovável que é consumida ao longo de um período que, em geral, é de um ano. Esse equilíbrio líquido de energia contribui para zerar emissões de carbono. Soluções de engenharia contribuem diretamente para essa autossuficiência energética e também ajudam a consumir ou absorver o CO2 emitido durante a construção e operação do empreendimento
No mundo, o Brasil é o quarto país em construções sustentáveis, segundo dados divulgados no ano passado pelo U.S. Green Building Council (USGBC). Ao todo, 108 projetos, que somam 2,4 milhões de metros quadrados brutos, receberam a certificação Liderança em Energia e Design Ambiental (LEED) no país. No mundo, foram mais de 100 mil iniciativas. Esse ranking destaca nações que despontam com projetos e construções de alto padrão de sustentabilidade, e leva em conta o sistema de certificação LEED, que define critérios para edifícios verdes saudáveis, altamente econômicos e eficientes.
A chance de o Brasil subir nesse ranking aumenta a partir da implementação do projeto do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e dos resultados que poderão ser gerados, como analisa o diretor-executivo do Green Building Council Brasil (GBC Brasil), Felipe Faria. “Seguramente o projeto conduzirá ao desenvolvimento de um banco de dados robusto de informações sobre os materiais da construção e níveis de eficiência energética das nossas edificações no Brasil”, pontua o especialista que já atuou no LEED Steering Committee do USGBC, órgão deliberativo e consultivo responsável por manter o LEED como a certificação líder no mundo.
Além do incentivo a soluções construtivas com foco na eficiência, conforto e descarbonização, Felipe acredita que a iniciativa do governo brasileiro fará com que mecanismos de incentivo financeiro sejam mais assertivos. “Isso evitará situações de pouca efetividade na provocação do avanço técnico da construção civil em direção à sustentabilidade, uma vez que o projeto poderá sugerir parâmetros e metas de descarbonização”.
O projeto de descarbonização poderá aumentar a visibilidade e competitividade das empresas brasileiras de construção civil para o mercado internacional, atraindo mais investimentos estrangeiros para o país
A valorização dos profissionais de engenharia é outro resultado esperado, como aposta o representante da GBC Brasil. “Dificilmente há descarbonização nos níveis ousados como aqueles presentes em acordos internacionais, se os projetos de novas construções ou reformas não exaurir os estudos de simulação energética e conforto, comissionamento de sistemas, aperfeiçoamento na gestão de obra, tecnologias de medição e verificação do consumo, bem como automação dos sistemas para a fase de operação predial”, afirma Felipe, ao enfatizar a importância dos engenheiros em iniciativas para transição energética rumo à economia de baixo carbono.
Regulamentação do mercado de carbono
Tramita no Congresso o Projeto de Lei 2.148/2015, que cria o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), estabelece tetos para emissões e prevê regras para a venda de títulos de compensação. O texto foi aprovado em dezembro de 2023 pela Câmara dos Deputados e agora será novamente discutido no Senado.
A proposta cria limites de emissões de gases do efeito estufa para atividades que emitem acima de 10 mil toneladas de dióxido de carbono equivalente por ano. As empresas que mais poluem devem compensar as emissões com a compra de títulos. Por outro lado, as que não atingirem o teto de emissões receberão cotas que poderão ser vendidas no mercado.
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Julianna Curado
Equipe de Comunicação do Confea, com informações do MCTI e Agência Câmara