Brasília, 1º de dezembro de 2021.
Antigo sonho de muitos e frequente promessa eleitoral de tantos, a dessalinização em grande escala do mar brasileiro para consumo humano está mais próxima de se tornar realidade com o início da Parceria Público Privada elaborada pela Secretaria de Recursos Hídricos do Estado do Ceará para a instalação da planta de dessalinização de um dos principais cartões-postais cearenses, a Praia do Futuro, em Fortaleza, considerada a praia de maior salinidade (maresia) do mundo. Com ordem de serviço assinada em julho, o projeto foi apresentado na tarde desta terça (30) aos participantes da 4ª Reunião Ordinária da Coordenadoria Nacional de Câmaras Especializadas de Geologia e Engenharia de Minas (CCEGEM), no Crea-CE.
Voltada para consumo urbano de cerca de 720 mil pessoas e com uma vazão estimada em mil metros cúbicos por segundo, um incremento de 12% na oferta de água do microssistema integrado da Região Metropolitana de Fortaleza, a Planta de Dessalinização da Água do Mar verterá para consumo humano as “vagas” pouco serenas dos “verdes mares bravios” exaltados pelo escritor José de Alencar em seu célebre “Iracema”. A PPP terá concessão de uso por 30 anos e será a maior do país em termos de extensão e produção de água, além de pioneira em seu aspecto social de consumo em larga escala e conta com recursos estimados em R$ 3,2 bilhões.
Gerente de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação da Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece), empresa que conduz o processo, o biólogo Silvano Porto Pereira informou que esse aporte contribuirá para minimizar os riscos de desabastecimento da capital. Segundo ele, a alternativa de dessalinização é “consagrada em países com deficiências hídricas semelhantes às do Ceará” e está sendo conduzida ao lado de outras “dezenas de ações para conter as perdas físicas, reais e econômicas” e reduzir a recorrente crise hídrica do Estado. Entre elas, iniciativas de impacto para a matriz hídrica do Estado, o reuso de outros mil metros cúbicos por segundo para a indústria e o Porto do Pecém, além da transposição das águas do Rio São Francisco.
Know-how e transferência de tecnologia
Questionado pelo geólogo Abdelmajid Hach Hach (Crea-PR) sobre o uso de mão de obra estrangeira e a transferência de tecnologias, Silvano informou que o consórcio vencedor reúne uma empresa espanhola e duas brasileiras e garantiu a participação brasileira no empreendimento. “O Brasil tem consolidada a atuação em emissários submarinos, e muito provavelmente serão empresas e profissionais brasileiros que farão tanto a elaboração de projetos, como a execução de obras. A captação marinha em parte deverá ter participação externa, mas também acreditamos que brasileira. A parte de água tratada, o Brasil tem know-how mais do que suficiente, não haverá necessidade de trazer ninguém de fora”, diz.
Silvano informa que a planta requer cerca de 15 megawatts de potência instalada e considera que os profissionais brasileiros deverão estar envolvidos nessas linhas de transmissão. “O núcleo da planta, envolvendo engenheiros químicos, engenheiros mecânicos e engenheiros de automação é que muito provavelmente eles devam trazer alguns profissionais de fora, mas eles devem repassar esses conhecimentos para a equipe nacional, já que vão estar trabalhando em conjunto”. Segundo ele, há ainda autoeficiência no país para mão de obra especializada em automação e dosagem de produtos químicos, tanto em termos de material nacional como de pessoal para desenvolvimento.
Ele informa que, durante os estudos para a implantação do projeto, houve a participação de profissionais do Sistema ligados à Fundação Getúlio Vargas e que haverá a previsão de uma atuação conjunta direta pelo menos nos primeiros quatro anos de atividades. Silvano acrescenta que será contratada uma certificadora de implantação, “um pouco equivalente a uma supervisão de obras”, com participação de profissionais habilitados no projeto, licenciamento, obras e pré-operação. “O fato de duas empresas cearenses estarem participando demonstra que é de vital importância que eles nacionalizem o conhecimento. Em torno de 80% da participação acionária é cearense”, disse, em relação à transferência de tecnologia.
Planta
Com uma usina que ocupará 2,3 hectares da Praia do Futuro e uma eficiência em torno de 45 a 50%, a planta envolve ainda a construção, operação e manutenção do sistema de captação de água marinha, emissário e adutora. A captação da água do mar será feita a uma distância de 2,5 quilômetros da costa e a cerca de 14 metros de profundidade. Silvano descreve que a matriz de agua potável utilizará “uma fonte inesgotável, sem interferência de variáveis climáticas, reduzindo a pressão sobre os reservatórios hídricos atualmente utilizados”.
Ele informa que a iniciativa já era analisada pelo Estado desde 2009, sendo também cogitada dentro do Programa Fortaleza 2040, voltado para o planejamento estratégico da cidade, em áreas como mobilidade, desenvolvimento econômico-social e segurança hídrica. “Havia um caderno que previa para 2017 a conclusão dos estudos de viabilidade técnica, econômica e ambiental de uma planta de dessalinização, o que atrasou um ano. E havia a previsão da construção, operação e manutenção da planta”, comenta.
Feitos os estudos, foi constatada a existência de cerca de 6,5 mil plantas contratadas para esse mesmo objetivo em todo o mundo, das quais 4,5 utilizam a tecnologia de osmose reversa, a ser utilizada na planta cearense, de responsabilidade do consórcio Águas de Fortaleza, formado pelas empresas Marquise e PB Construções, do Ceará, e pela espanhola Anbegoa Água. “Apenas cerca de 40 em todo o mundo têm características semelhantes a essa planta. A gente viu que havia materialidade disso fora do país”, diz Silvano, informando que, no Brasil, apenas Fernando de Noronha dispõe de uma planta com vazão de 15 litros por segundo e o Espírito Santo, com cerca de 300 metros cúbicos por segundo, mas de uso industrial.
“Quanto melhor a qualidade dessa água, menores os custos de operação e os investimentos necessários. E normalmente se consegue isso a uma certa profundidade, o que é consequência das declividades e da batimetria local. Na região da Praia do Futuro, há uma declividade elevada, e com algumas centenas de metros eu já consigo dados consideráveis. Em geral, se adota pelo menos 14 metros de profundidade, o que em alguns quilômetros eu já consigo nessa região, diferente de outras regiões da cidade. Ao mesmo tempo, há cabos submarinos que complicam um pouco o projeto de engenharia”, disse, apontando ainda a hidrodinâmica da região que tem pouca presença de algas, fitoplanctons e bactérias que degradam a qualidade da água.
“Essa água é conduzida para a planta, passa por um processo de pré-tratamento, depois de osmose reversa, dessalinização, gerando um concentrado salino”, diz o especialista da Cagece, informando que este resulta do processo de retirada da água doce de um fluxo captado no mar. Em seguida, a água é remineralizada. Ele explica que esse fluxo foi definido a partir do projeto referencial que fundamentou os critérios e valores da licitação, envolvendo a estrutura de captação de água marinha, a 2,5km de distância com diâmetro de 1,6 metro, uma estrutura de emissário submarino com diâmetro 1.2 metros e distância de 1.2 quilômetros, que lançará o concentrado salino a cerca de 12 metros de profundidade e captando a água marinha a cerca de 14 metros de profundidade. “Há a preocupação ambiental em todo o processo. As estruturas de captação são desenhadas com aberturas que provocam velocidades muito reduzidas para evitar o risco de atrair animais”, afirma. A planta envolve ainda uma subestação e a instalação do Museu da Água.
Henrique Nunes
Equipe de Comunicação do Confea