Eliana Calmon fala sobre ética e regras de compliance em palestra na CNCE

Brasília, 07 de junho de 2021.

A manhã da quarta-feira (02/06), último dia da 2ª Reunião Nacional Ordinária das Comissões Regionais de Ética do Sistema Confea/Crea, foi marcada pela palestra da juíza Eliana Calmon, que participou por meio de transmissão virtual.

Integrantes da comissão nacional de ética com Eliana Calmon

A jurista e magistrada brasileira, primeira mulher a compor o Superior Tribunal de Justiça (STJ), de 1999 a 2013, falou dos avanços tecnológicos, das novas formas de comunicação, das mudanças de um mundo globalizado, da pandemia que “mudou de forma radical nosso estilo de vida”. Falou, principalmente, da importância da implementação de regras de compliance, foco de sua palestra.  

Eliana destacou que “o compliance permite que as empresas tenham transparência, mostrem como funcionam, inclusive, suas fragilidades e as correções a serem feitas para passar credibilidade”, lembrou que “sem conceito definido compliance não tem regras jurídicas estabelecidas e se define como transparência, conformidade”.

Sentido da ética
Para a jurista, neste mundo novo, a pandemia gerou o sentimento de que “não podemos assegurar direitos sem paz social. Não adianta termos tudo quando quem está ao nosso redor não tem nada. Só seremos felizes quando pensarmos nos outros. Esse é o sentido de ética”, definiu. 

Transparência e credibilidade
“O mundo precisa de equilíbrio social e econômico para fazer as mudanças necessárias  e o compliance entra nesse contexto”.

Eliana defendeu que as empresas precisam ter transparência para conseguir a credibilidade do consumidor, para a sociedade, mostrar como funcionam e mostrar, inclusive, suas fragilidades e as correções a serem feitas”, lembrou. “Nada passa sem que se saiba e isso faz com que as empresas se preocupem em ser transparentes. Hoje temos novas regras de ética e moralidade para termos empresas saudáveis, que atendam bem e tenham retorno na sua atividade”.

Substantivo abstrato

Respondendo às questões colocadas pelos participantes da reunião da CNCE, Eliana Calmon reconheceu “as dificuldades de se aplicar compliance na área pública, em função da desordem do setor”, e sugeriu que “pode servir de defesa de empresas nos contratos com o poder público, tomando cuidado com a retaguarda porque, lamentavelmente, as regras sofrem afrouxamento.” 

Para ela, uma forma de blindar a corrupção aos poucos “é fazer funcionar os órgãos intermediários de controle”.  

Sobre a aplicação das regras de compliance no Poder Judiciário, Eliana confessou: 

“Olhamos para o Poder Judiciário como sendo órgão onde vamos buscar a decência. Quando tudo o mais nos falha, buscamos nosso direito na decência. É o que está na lei, mas ele tem uma formação inadequada para aceitar o compliance e talvez o último a atender. Afirma que não precisa porque trabalha pela moral e ética”, disse lembrando que “ministros dos tribunais superiores não são investigados, nem alcançados pela receita federal”. Ao resumir sobre o compliance no Poder Judiciário, definiu como um “substantivo abstrato”. 

Reconheceu que “culturas arraigadas só mudam com o tempo e com a cidadania, com a mídia falando e o cidadão se manifestando”. 

Otimista, acredita que o neto, daqui a 20 anos poderá dizer que "no passado não se tinha controle sobre o Poder Judiciário, mas hoje temos essa diferença”. Ela mesma diz que em comparação há 10 anos, hoje “encontra terreno mais propício”.  

Apurações isentas

Questionada sobre sugestões que possam levar à unificação de procedimentos na condução dos processos éticos, aconselhou a “começar pelas pequenas coisas, fazer apurações isentas e registrar em processo transparente.” 

Sobre como desmistificar a visão empresarial de que a implantação das regras de compliance representa custo e não investimentos, tornou a defender que “o compliance valoriza a empresa”.  

Coragem para mudar

Sobre como o Tribunal de Contas vê a punição de um gestor público, afirmou que “se enganou” pensando que a cabeça de um desembargador seria diferente: “mas não é. Não são as pessoas, é o sistema. Precisa coragem para mudar e nem todos têm a coragem de assumir consequências.” 

Parceiros fiéis
Eliana Calmon viu como positiva a possibilidade de um convênio com o Tribunal de Contas dos Estados para a criação de um certificado que comprove que empresas cumprem as regras de compliance:

“Acho essa uma forma correta. As instituições precisam funcionar até para mostrar o caminho com parcerias com o Ministério Públicos dos tribunais de conta do Estado. Eles são rígidos e parceiros fiéis”. 

Mudanças através da cidadania

Ao responder sobre compliance dos dirigentes de empresas, dos políticos e entidades nos contratos públicos reafirmou seu otimismo:

Eliana Calmon on-line

“Tantos políticos sem vergonha deixaram de ser eleitos, é bem verdade que elegemos pela primeira vez outros tantos que chegaram lá e fizeram a mesma coisa. Somente através da cidadania vamos fazer mudanças no país”. 

Mas seu otimismo é para o futuro: “tenho 76 anos. Não tenho mais tempo, não vou ver isso, meus filhos também não, mas gostaria muito que meus netos tivessem a oportunidade de viver num país mais sério. Isso vai acontecer, tenho essa crença”. 

Ao responder sobre como aplicar o artigo da Constituição que diz “todos são iguais perante a lei”, disse: 

“Nem queremos isso. Temos que ser tratados igualmente. Temos diferenças na formação, nas oportunidades, nas condições de saúde e higiene. Quando a Constituição diz que todos são iguais perante a lei é uma forma de resguardar o Estado da responsabilidade social que tem com aqueles que não têm acesso aos seus direitos. E só temos esse acesso com educação suficiente para dizer sou cidadão brasileiro e tenho direito a isso”. 

“Mesmo com todos os retrocessos, não existe outra forma de mudarmos o Brasil  senão através da cidadania, usando as regras de compliance, as regras éticas. Esse é um caminho que não tem mais volta”.

Os trabalhos foram coordenados pela eng. civ. Carmem Eleonora Amorim Soares (CER-PB), que coordena a Comissão Nacional de Ética (CNCE) nacional ao lado do também eng. civ. Paulo Oliveira, (CER-SC), coordenador-adjunto e foram acompanhados pelo conselheiro eng. eletric. Modesto Ferreira dos Santos, que integra a Comissão de Ética e Exercício Profissional (Ceep), do Confea. 

Maria Helena de Carvalho
Equipe de Comunicação do Confea

Fotos: Marck Castro/Confea