Brasília, 12 de dezembro de 2022.
Na mesma semana em que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) apresentou ao Senado uma sugestão de anteprojeto para a regulamentação do filtro de relevância do recurso especial, instituído pela Emenda Constitucional 125/2022, o ministro Sérgio Luiz Kukina discutiu o tema com os procuradores do Sistema Confea/Crea, na abertura do 7º Encontro Nacional de Procuradorias Jurídicas do Sistema (Enap), no Centro Internacional de Convenções do Brasil, em Brasília. Durante dois dias, os operadores do Direito do Sistema debateram temas relacionados à execução fiscal, incluindo o Acórdão 2402/2022, do Tribunal de Contas da União (TCU), cujas tratativas por parte do Sistema já foram iniciadas na última reunião ordinária do Colégio de Presidentes, em Teresina.
A proposta encaminhada ao Congresso propõe a inclusão do artigo 1.035-A e a modificação da redação de sete dispositivos no Código de Processo Civil (CPC), regulamentando o parágrafo 2º do artigo 105 da Constituição Federal, que exige a demonstração da relevância das questões jurídicas discutidas no recurso. Entre outras medidas, o novo artigo estabeleceria a relevância da questão de direito federal infraconstitucional no Código, detalhando seu conceito e contemplando a possiblidade de suspensão de tramitação de processos idênticos.
Segundo o ministro Kukina, “a emenda 125 já veio de antemão em alguns poucos casos em que o constituinte disse que nessas demandas a relevância da questão federal será presumida”. O ministro acrescenta que o STJ “até contrariando o teor do artigo 2º da emenda, deliberou em só exigir da parte recorrente depois de publicada a lei regulamentadora, ainda no Congresso. Estaremos aguardando a regulamentação que será de boa utilidade para todos os operadores do direito. Para isso, a capacitação e a atualização permanente são importantes”.
O procurador-chefe do Confea, Igor Tadeu Garcia, questionou se seria a relevância “uma morte anunciada do prequestionamento, da súmula 07 ou do rito dos recursos repetitivos”, ao que o ministro do STJ respondeu que, o momento ainda está no plano da cogitação. “Deveremos aguardar. O STJ enviou para o Congresso um pré-projeto de regulamentação, estamos apreensivos, mas minha opinião é que deveremos buscar uma harmonização da relevância com a técnica dos repetitivos, modalidade com que trabalhamos desde 2008. Selecionando recursos para proferir uma decisão aplicável a todos os outros que estejam em andamento. A técnica repetitiva está presente na legislação pelo recurso extraordinário do Supremo. A gente só ouve falar da repercussão geral. O STJ é que julga de modo repetitivo. Mas o que acontece é que será provável que o STJ produza expressões vinculantes quando os juízes deverão observar. Teremos como harmonizar para não confundir. As duas situações se imbricarão. Um vai se chamar de filtro, o repetitivo é uma técnica”, considerou, ao que o procurador-chefe do Confea comentou que “a harmonização é um caminho ou uma fusão entre os institutos”.
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Acórdão 2402/2022
Tema tratado durante a última reunião do Colégio de Presidentes em Teresina, na qual ficou definida a criação de um grupo multidisciplinar para conduzir a elaboração de uma resolução do Confea, o Acórdão 2402/2022 do Tribunal de Contas da União (TCU) foi apresentado aos procuradores dos regionais pelo procurador-chefe do Confea, Igor Tadeu Garcia, durante o segundo dia do Enap. O grupo será responsável pela elaboração de uma minuta de resolução que orientará a cobrança de débitos em dívida ativa do Sistema, cobrança essa extensiva a todos os conselhos profissionais do país.
Igor comentou a competência do TCU, prevista nos artigos 70 e 71 da Constituição, para exigir a prestação de contas públicas por meio de controle externo, em missão reforçada pela Lei Orgânica do próprio tribunal. “Com esse objetivo, o TCU criou recentemente em sua estrutura a Diretoria de Fiscalização dos Conselhos Profissionais – Diconp. Todas as demandas dos conselhos circulam nessa diretoria especializada. Reputo como de fundamental importância o acórdão”.
Segundo o procurador-chefe do Confea, a norma faz uma série de observações sobre o gerenciamento e execução da dívida ativa nos conselhos profissionais. “Ao final desse acórdão, o TCU elencou uma série de recomendações. O Confea montou um grupo de trabalho multidisciplinar com um representante por região também para que a gente defina o que seria valor ínfimo, baixa recuperabilidade, revisássemos a Resolução 1.128 no que toca à dívida ativa e acrescentando o que está em uníssono no Sistema”, apontou.
“O acórdão foi gerado em uma reunião do presidente Luiz Fux, à época também presidente do CNJ, com o Conselhão, reunião de todos os conselhos federais para tratar da cobrança dos créditos dos conselhos de fiscalização profissional”, disse. Como dado estatístico, foi levantado que das execuções fiscais que correm na justiça federal, 28,15% são movidas pelos conselhos de fiscalização.
“Fomos o segundo maior cliente das varas de execução fiscal na justiça federal, em 2019”, afirmou, destacando que essas execuções possuem alto custo processual (média de R$ 4,3 mil) e baixo valor ajuizado (R$ 1,5 mil em média), gerando a “movimentação constante da máquina judiciária, como também da questão de expediente. Contra dados e fatos não há argumentos”.
O tema havia sido encaminhado a 491 conselhos profissionais de todo o país, por meio de ofícios. Entre as determinações, foi estabelecido um prazo de 360 dias, já em andamento, para todos adotarem medidas pertinentes. “Seria elaborar normativo regulamentando a avaliação da carteira de créditos, nos termos atualmente preconizados nas normas de contabilidade aplicáveis”, disse, citando que o grupo multidisciplinar do Sistema reúne também contabilistas, entre representantes do Colégio de Presidentes, cinco empregados de carreira dos Creas, cinco empregados de carreira do Confea indicados pelo gabinete e um conselheiro federal, preferencialmente da Comissão de Controle e Sustentabilidade do Sistema, disse, acreditando que até o primeiro semestre do próximo ano a resolução estará encaminhada.
A prática dos recursos
Na sequência, os participantes acompanharam a contribuição do procurador do Crea-RN, Murilo Mariz de Faria Neto, sobre o tema. “Muito foi adiantado pelo ministro Kukina. Trago a visão do outro lado do balcão. Vivemos a angústia de termos uma barreira praticamente intransponível na admissibilidade dos nossos recursos especiais em processos que necessitam de uma resposta e geralmente têm uma decisão nos TRFs em sentido contrário ao que o Sistema necessita”, disse, prometendo abordar questões práticas não relacionadas apenas ao Sistema, em torno de “Requisitos de admissibilidade recursal nos tribunais superiores e jurisprudência do STJ sobre recursos em geral”, tema de seu painel.
Em uma analogia inicial do processo civil com a Engenharia, Mariz considerou que “embora o fim seja a obra pronta, se o projeto não for feito de maneira adequada, não se conseguirá sucesso”. Para ele, é preciso conhecer além das normas o que os tribunais entendem sobre a sua aplicação, observando aspectos como tempestividade, legitimidade, adequação, prazos, regularidade formal e interesse processual.
Amparado por decisões do STJ, abordou temas como o agravo de instrumento e o recurso especial propriamente. Segundo ele, com base no Código de Processo Civil de 2015, o STJ passou a utilizar rol mitigado, “nem exemplificativo, nem exaustivo”, no que concerne ao recurso de agravo de instrumento, entendendo a possibilidade do uso do agravo quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do recurso de apelação. “Situações que se enquadram no tema são definidas pelo caso concreto”, diz.
Já em relação ao recurso especial, o procurador Murilo Mariz considera que o papel do STJ uniformiza e interpreta a lei federal não lhe permitindo o revolvimento de todos os fatos da causa, conforme a súmula 7. “Redigir o recurso especial como se fosse uma apelação é o primeiro erro. O recurso não é apreciado porque o STJ e o STF não são terceira instância, são tribunais de interpretação, da Lei e da Constituição, respectivamente. Eles são tribunais específicos”.
Após mencionar hipóteses constitucionais de recursos e destacar que os casos de intempestividade têm vício insanável, o procurador do Crea-RN informou que “quando houver embargos declaratórios, devemos ter o cuidado de adotar as medidas para obter o efeito suspensivo perante o STJ ou o tribunal local. Embargos não suspendem os efeitos da decisão”.
Quanto à admissibilidade recursal, mencionou que o STJ aplica 15 súmulas sobre o tema. “Elas têm como objetivo impedir que os recursos que não preencham os requisitos exigidos sejam apreciados”. Nesse cenário, o recurso especial deve ser dirigido contra acórdão de decisão de colegiado, “nunca de decisão monocrática, à qual cabe agravo regimental ou embargos declaratórios”.
Uma das súmulas, a 283, trata da impugnação específica dos fundamentos da decisão. “Inadmissível, se o recurso especial não abrange todos eles”. Já a “inépcia da petição recursal” exige a necessidade de as procuradorias deixarem evidenciado o dispositivo afrontado e o fundamento que configura a inadequada aplicação da norma. “Ela é caracterizada ainda quando não se apresenta a especificidade legal”.
Quanto à súmula 7, Murilo Mariz a considera “temida” porque o STJ não analisa os fatos ou provas relacionadas aos fatos, e sim sua repercussão jurídica. “Contudo, temos exceções relacionadas à revaloração da prova, admitida em situações em que os fatos discutidos no processo são incontroversos. A partir dessa incontrovérsia, não se vai exigir que se reanalise as provas quanto à existência ou não dos fatos. Por isso, é preciso estudar a fundamentação para entender as situações que o STJ entende a revaloração das provas”.
Outro ponto citado por ele é o prequestionamento. “Ele decorre da necessidade prevista no caput da Constituição que diz que o STJ e STF analisam recursos das causas decididas. O prequestionamento demonstra no recurso que aquilo que você está querendo que eles analisem já foi decidido no acórdão, que já foi apreciado”.
O prequestionamento implícito se aplica quando o acórdão não cita expressamente o dispositivo legal que será objeto do recurso especial. “Em algumas situações, trata-se da fundamentação jurídica. Isso o STJ entende como válido, mesmo que não haja a menção explícita do dispositivo. No recurso, definimos qual o dispositivo afrontado, usando a técnica para que isso seja configurado”, frisou, informando que o prequestionamento numérico é consequência desse primeiro.
Ao concluir sua explanação, Murilo Mariz destacou que “entender como o STJ se posiciona é fundamental para entender como elaborar a peça”. Outra orientação é que o recurso especial não seja longo. Além disso, aponta que não cabe dissídio contra súmula. “Você tem que apontar o dispositivo legal e os acórdãos que levaram a ela. Súmula não é uma decisão, é um enunciado”, explicou.
Mediador do painel, o procurador do Confea Demétrio Ferronato elogiou a riqueza de informações trazida pelo colega e comentou que a jurisprudência do STJ é defensiva, por isso exige um conhecimento dinâmico sobre os requisitos de admissibilidade recursal. “Temos que acompanhar a jurisprudência e fazer todo um malabarismo para buscar nas ‘ratio decidendi’ do acórdão algo que nos favoreça, uma tarefa difícil”.
Ao responder a procuradora do Crea-SE, Elaine Felizola, sobre a aplicação do princípio da fungibilidade, Murilo Mariz considerou que se a estratégia processual for entendida como abusiva e afrontosa e for constitucional, ela pode ser remetida ao STF, atendendo o princípio da fungibilidade. “O STJ entende que para que haja a aplicação do princípio a peça precisa ter uma dúvida jurídica sobre a aplicabilidade daquela norma. O próprio acórdão tem que ser passível de dúvida sobre a constitucionalidade ou a infraconstitucionalidade. É preciso deixar claro qual a norma afrontada”.
Henrique Nunes
Equipe de Comunicação do Confea
Com informações da assessoria de comunicação do STJ
Fotos: Thiago Zion, Yago Brito e Alex Nogueira/Confea