Gramado, 10 de setembro de 2013
Por praticamente duas horas o ministro Carlos Ayres Britto, que presidiu 50 das 53 sessões do Supremo Tribunal Federal no julgamento do Mensalão - 470 -, hipnotizou o público que superlotou o auditório Master do Centro de Convenções Serra Park, o qual abriga até a tarde de hoje a 70ª edição da Semana Oficial da Engenharia e da Agronomia, promovida pelo Sistema Confea/Crea e Mútua, juntamente com o 8º Congresso Nacional de Profissionais.
Três vezes interrompido por aplausos e ao final de sua participação aplaudido de pé por cerca de 3 mil pessoas, Carlos Ayres Britto discorreu sobre a “A ética nas relações humanas, políticas e profissionais” e parabenizou a inclusão da ética no eixo temático dos dois maiores eventos profissionais da área tecnológica brasileira.
Sergipano de Propriá, Ayres Britto citou autores de elevada densidade, recorreu a diversas parábolas e, de sua serenidade peculiar, deixou claras as habilidades que o tornam um palestrante de projeção internacional. De início, lançou a parábola das garças para mostrar como se pode viver sem se contaminar por ambientes moralmente nefastos pelos quais circulamos: “elas vivem no manguezal, ambiente contaminado, circulam, pousam e alçam voo cuidando para não sujar as penas brancas e assim não se contaminar”.
Lembrou que há um saber que é feito exclusivamente de experiência, que não se aprende na escola, é a vida quem ensina e às vezes é bom repassá-lo. “O fato é que a ética leva o indivíduo a um estado de centralidade, a ter orgulho de si mesmo e a ter uma personalidade bem formada que, do individual, passa para o coletivo”. Para o ministro, a sociedade se sente lastreada em valores de regras de conteúdo moral, como probidade, honestidade, decoro, boa fé, sinceridade.
Para um público atento, Ayres Britto defendeu que pode parecer pieguice, mas praticar a ética é uma exigência da sociedade que se preza e busca grandeza civilizatória. Acerca da ética e do respeito no ambiente profissional, observou a importância da liturgia dos cargos. Exemplificando, dirigiu-se ao presidente do Confea, José Tadeu da Silva, que coordenou os trabalhos, ao lado do ministro: “O presidente José Tadeu é uma autoridade no Sistema, a autoridade dele nada tem a ver com o indivíduo. Todo o prestígio dele vem do cargo para o qual foi eleito. Exercendo bem as funções do cargo, é digno de respeito, relevância e gratidão”, recomendou.
O ex-presidente do STF, sempre com fala calma, pausada, utilizou uma linguagem simples e direta ao falar sobre política. Lembrou-se de Ronald Reagan, para quem “A política é a segunda profissão mais antiga do mundo, mas se parece muito com a primeira”. Também lembrou os espanhóis que têm um ditado: “querem saber quem é Juanito? Dá-lhe um carguito”.
Para Ayres Britto, o “país vive um momento de transição”. Como exemplo, citou as manifestações das ruas em junho “um movimento inusitado” e “uma expressão de maturidade da democracia brasileira”. Lembrando Ulysses Guimarães, que há 25 anos, classificou a Constituição de 1988 como a “Constituição Cidadã”, o ex-presidente do STF afirmou que “ na democracia que a cidadania se torna mais ativa fazendo com que a sociedade seja protagonista de suas inquietudes, anseios e expectativas em torno de um Brasil mais sério e ético em todas as áreas”.
“Quem ocupa o poder tem que ter o pudor de não usá-lo desonestamente”, sentenciou Ayres Britto, que se confessa “um otimista” em relação ao futuro do Brasil. Entre outras referências, citou o bispo Casaldáliga, sob aplausos ao ser direto: “ética na política é vergonha na cara”. “O conceito tem que ser radical e é isso o que explica as manifestações de rua do povo“, afirma Ayres.
Imprensa, STF, Michel Jackson
Não se pode impedir que a Imprensa fale primeiro, nem se pode impedir que o Supremo fale por último, defendeu Ayres brito para quem a consciência coletiva é formada da cultura de um povo.
“Só se pode falar em ética sustentável quando o povo se conscientizar dos valores morais de sua formação. A democracia é o valor mais alto e o povo é a base decisória”, afirmou.
Para Ayres Britto, “o povo brasileiro saiu da ribalta para as ruas, embora todos condenem veementemente os baderneiros”.
Tendo Jesus Cristo “como um ser humano diferenciado que morreu defendendo o que acreditava”, Ayres de Brito disse que ele “monumentalizou o amor”, quando morrendo disse: “pai, perdoai-os porque não sabem o que fazer”, lembrou novamente sob aplausos calorosos.
Na sequência, Ayres Britto responde a perguntas da plateia e durante as respostas reafirmou acreditar que “a política é uma depuração de costumes”, que “os ministros do Supremo estão habituados a lidar com pressões porque isso faz parte da democracia, e não cederão a elas com relação ao julgamento do Mensalão”. Destacou que o Conselho Nacional de Justiça “é mais uma solução e não problema”.
Arrematou dizendo que “não se pode viver sem política porque é ela o link mais forte entre a sociedade e as manifestações”. Lembrou que 35% das despesas públicas no Brasil correspondem a desperdício, mas disse também que “o povo não é só vítima. A população também é cúmplice dos males que pagamos. É preciso valorizar o voto. Às vezes é preciso apontar o dedo para si mesmo”.
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Confessando-se fã de Michel Jackson fez dele, as palavras ditas pelo ídolo pop diante do espelho: “quero mudar o mundo sob a ótica de quem está me olhando neste momento”.
Metas
Aplaudido de pé, Ayres Britto reafirmou “ter nosso país como um país de grande futuro. O Brasil na democracia se conscientiza de seu valor e capacidade de transformar. Ao se manifestar nossa sociedade protagoniza a cidadania e precisa estar sempre alerta. Os governantes terão que mudar”.
Ao encerrar , lembrou de um poema escrito na adolescência. Título: “Princípios”, que dizia:
“... não tenho metas nem objetivos a alcançar,
tenho princípios
e na companhia deles
nem me pergunto onde vou chegar,
porque com eles
vou chegar nos melhores lugares”.
Maria Helena de Carvalho
Equipe de Comunicação do Confea