O olhar feminino para a tecnologia

Brasília, 8 de março de 2010.

"Maria Luiza com os amigos engenheiros"

Nas décadas de 20 e 30, o casamento era o principal motivo de realização pessoal para a maioria das mulheres. Poucas se aventuraram a cursar uma universidade de engenharia ao invés de seguir no curso do magistério. Aquelas que optaram por algum curso de graduação superior contaram com o incentivo dos pais ou de algum professor, considerados modernos para a época. Sozinhas elas não iriam conseguir.

 

Foi assim com Maria Luiza Fontes, a primeira engenheira mecânica e eletricista do Brasil. Aos 86 anos, ela se orgulha da profissão. “Eu sempre quis ser independente e achei que eu conseguiria com a engenharia, apesar de ter ficado apreensiva pelo fato de saber que eu seria a única mulher na turma. Mas o meu pai me incentivou muito. Alguns anos depois de formada, fui convidada para trabalhar fora do país, mas a maternidade me impediu. Não fiquei triste com isso, apenas pensei nas minhas filhas naquele momento”, se recorda. 

 

As histórias das mulheres na área tecnológica são recheadas de curiosidades, emoções e desafios. Elas tiveram que correr atrás do conhecimento numa área com alto nível de exigência e não deixaram de ser o centro da família com responsabilidades de cuidar da casa e dos filhos. Obstáculos que elas superaram, afinal organização e capacidade de realizar mais de uma tarefa são algumas características das mulheres, hoje reconhecidas, inclusive, no mercado de trabalho.

"Maria Luiza aos 86 anos"
Aos pouquinhos as mulheres foram colecionando conquistas e passando por cima do preconceito. Entre 1900 até 1920, nenhuma mulher passou pelas carreiras tecnológicas. Em 1930, eram 660 engenheiros civis e apenas uma mulher. Até a formação do Conselho da 5ª Região, em dezembro de 1933, somente 14 mulheres eram formadas em engenharia, arquitetura e agronomia, enquanto que os homens somavam, no mesmo período, 2.023  dados referentes aos profissionais com registro. É o que mostra uma pesquisa feita pela geógrafa, que hoje trabalha no Crea-RJ, Sheila Gutierrez - estudiosa sobre a questão do gênero no Sistema Confea/Crea e Mútua. Ela também constatou que não houve envolvimento político das mulheres com o Conselho. Elas apenas tiravam o registro profissional ou solicitavam algum documento.

No passado os valores eram outros e as mulheres não eram estimuladas a cursar uma universidade, principalmente de alguma área tecnológica. Mas e agora? O que falta para que mais mulheres façam a opção pela engenharia civil ou de produção, ou mesmo pela geologia? Um levantamento apresentado no Fórum da Mulher 2009, durante a Semana Oficial da Engenharia, da Arquitetura e da Agronomia (Soeaa), mostrou que no universo de 735.098 profissionais, no Brasil, apenas 118.907 são mulheres.

"Iracy Silvano na comemoração dos 75 anos do Confea"
“Temos que atuar para aproximar o Sistema das jovens e, acredito, o Crea Junior pode ser um ótimo instrumento para fazer esse trabalho de base. Precisamos lutar pela inserção e valorização da mulher no mercado de trabalho. Cada Crea, individualmente, pode contribuir muito. Só dessa forma poderemos mudar essas estatísticas”, ressaltou a técnica industrial Iracy Silvano.

Ainda segundo a pesquisa da geógrafa Sheila Gutierrez, as mulheres avançam em quase todas as áreas, mas nas ciências a participação delas não cresceu. A classificação conferida pela bolsa de produtividade do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) aponta que, nos estágios iniciais da carreira acadêmica, as mulheres representavam, em 2008, pouco mais de um terço dos pesquisadores em todas as áreas. Nas ciências exatas, a diferença é ainda maior. Em 2005, entre os físicos, as mulheres que estavam no topo respondiam por apenas 3% das bolsas.

A discriminação é outro fator que merece atenção, quando o assunto é a inserção feminina no Sistema. As poucas que venceram barreiras e concluíram o ensino superior, enfrentaram resistência e tiveram que se conformar com um salário, muitas vezes, inferior. “Eu encontrei discriminação sob o ponto de vista salarial. Mulheres que tinham a mesma capacidade intelectual ganhavam menos que os homens. Pelo que eu percebo essa situação ainda persiste”, afirmou a arquiteta Ângela Cantambede.

Opinião compartilhada também pela engenheira Yvette Ramos. Em 2007, durante o Fórum da Mulher da Soeaa, ela apresentou as estatísticas da França: naquele ano somente 23% das mulheres ocupavam algum cargo da área tecnológica, e ganhavam 15% a menos do que os homens - ocupando os mesmos cargos.

"1ª Reunião do ano do GT Pró-Equidade de Gênero"

Para aumentar o ingresso das estudantes em algum curso tecnológico e incentivar a participação das profissionais no Sistema, o Confea tem unido esforços aos Creas no debate sobre assunto por meio dos Grupos de Trabalho Mulher (GTs). Desde a criação do Conselho Federal, por exemplo, em 1933, nenhuma mulher foi eleita presidente. Em 2010, serão apenas duas conselheiras federais (titulares) num universo de 21 cadeiras no plenário do Confea. Dos 27 Creas há apenas uma mulher como presidente: em Tocantins.

Como conselheira federal, no período 2007/2009, Iracy Silvano acredita que ainda há muito trabalho pela frente. Para este ano, ela espera trabalhar na construção da história da mulher na área tecnológica. “Essa luta começou em 1998 com a Comissão da Mulher no conselho federal, mas na época não teve muita força. Hoje o GT Mulher é reconhecido pela sua atuação”, afirmou Iracy.

Um bom exemplo desse trabalho acontece no Rio Grande do Sul, onde o GT Mulher está a serviço da solidariedade. O projeto “Construindo Mulheres, Lapidando Futuros”  inédito entre os Creas - capacita detentas para o trabalho na construção civil em assentamento cerâmico e rejunte. Em 2010, serão oferecidos cursos de informática, pintura predial, segurança do trabalho, instalação elétrica e hidráulica, segundo a coordenadora do GT Mulher do Crea-RS, Rosana Oppitz. 

Novo Grupo de Trabalho do Confea

Na primeira plenária do ano, em janeiro, os conselheiros federais aprovaram a criação do Grupo de Trabalho Pró-Equidade de Gênero do Confea. A proposta vai ao encontro da iniciativa do governo federal. “Vamos lutar pela igualdade de tratamento entre as pessoas. As mulheres ainda ocupam poucos cargos de chefia e ganham bem menos que os homens. Precisamos desse espaço para mostrarmos o nosso trabalho e incentivar outras mulheres a entrarem na área tecnológica”, afirmou a coordenadora do GT Maria Luiza Poci.

A conselheira federal Ana Karine Batista explicou que o grupo trabalhará para fazer com que os homens entendam a importância da participação feminina no Sistema e a forma como elas lidam com as questões do dia a dia do trabalho por possuírem determinadas características. “Vamos levar para os Creas essa ideia, para que a gente consiga disseminar essa visão. Estamos fazendo uma transição. Antes era GT Mulher. Agora o GT irá tratar as questões das minorias”, ressaltou Ana Karine. 

Em 2010, o GT irá promover Fóruns Temáticos em nove Creas com o objetivo de incentivar a igualdade de oportunidades entre profissionais dentro das organizações. O plano de ações está em fase de elaboração e deverá ser aprovado pela Comissão de Articulação Institucional do Sistema (CAIS) em breve.

Saiba quem faz parte do GT Pró-Equidade de Gênero do Confea:

Coordenadora: Maria Luiza Poci Pinto
Membros: Ana Karine Batista de Sousa e José Cícero Rocha da Silva
Assessora Técnica: Cláudia Machado

Melissa Ornelas
Assessoria de Comunicação do Confea