Confea apresenta argumentos contrários ao pregão eletrônico no TCU

Brasília, 28 de junho de 2019.

O Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea) realizou na quinta-feira (27) rodada de discussões sobre pregão eletrônico e Regime Diferenciado de Contratação (RDC). A iniciativa, que integra uma série de debates realizados nos últimos meses, aconteceu desta vez em parceria com o Tribunal de Contas da União (TCU) dentro da programação “Diálogos sobre Infraestrutura”.

A agenda contou com apoio e participação de representantes de entidades do setor de engenharia, como Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Distrito Federal (Crea-DF), Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU/BR), Associação Nacional das Empresas de Engenharia Consultiva de Infraestrutura de Transporte (Anetrans), Sindicato da Indústria da Construção Civil do Distrito Federal (Sinduscon-DF), Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), Sindicato Nacional das Empresas de Arquitetura e Engenharia Consultiva (Sinaenco), Sindicato Nacional da Indústria da Construção Pesada (Sinicon), Associação Nacional das Empresas de Obras Rodoviárias (Aneor) e Associação Brasileira de Consultores de Engenharia (ABCE). Também marcaram presença os presidentes dos Conselhos Regionais de Engenharia e Agronomia de Goiás, eng. agr. Francisco Almeida, de Pernambuco, eng. civ. Evandro Alencar, de Roraima, eng. agr. Wolney Parente, do Sergipe, eng. agr. Arício Resende.

Cerca de 200 auditores, gestores públicos e profissionais de engenharia e direito estiveram na sede do TCU, em Brasília

Construir caminhos e descortinar horizontes não apenas por meio da engenharia, mas com debate constante. Essa foi a proposta do presidente do TCU, ministro e engenheiro de formação José Mucio Monteiro Filho, ao abrir a programação promovida na sede do órgão de controle. “Temos feito muita questão, e o presidente Joel é testemunha disso, de que nosso diálogo seja mais amplo e nossas pontes sejam cada dia mais sólidas, para que vocês nos ajudem a encontrar melhores caminhos”, disse, propondo intensificar a parceira já existente entre o tribunal e o Confea.

Ministro José Mucio Monteiro Filho propôs intensificar diálogo com o setor de engenharia 

Na sequência, e sendo o primeiro a fazer explanação técnica, o presidente  do Confea, eng. civ. Joel Krüger, agradeceu o TCU por abrir o canal de diálogo, a fim de que todos encontrem uma solução mais equilibrada para a contratação de obras e serviços de engenharia, que seja “sustentada nos pilares planejamento, projeto, execução e manutenção”.

Krüger esteve acompanhado de conselheiros, presidentes de Creas, representantes da Mútua e de Coordenadoria de Câmaras

Em sua fala, Krüger ratificou o posicionamento já manifestado em audiências no Ministério da Economia, no Congresso Nacional e por meio da Resolução 1.116/2019, do Confea, que define que “obras e serviços de engenharia e agronomia, que exigem habilitação legal para sua elaboração ou execução, com a emissão da Anotação de Responsabilidade Técnica (ART), são serviços técnicos especializados”. 

“São trabalhos que exigem conhecimento técnico e capacidade científica, características que muito se diferem dos produtos e serviços usuais de mercado”, definiu o presidente, enfatizando que “os riscos na execução de uma obra pública aumentam à medida que são considerados como serviços comuns, com ênfase nos preços e não na qualidade e na segurança, deixando de lado a observância dos quatro pilares”. 

Da esq. p/ dir.: presidentes dos Creas RR, SE e PE. Os representantes dos Regionais do DF e do GO também estiveram presentes

 

Mais fotos no Facebook do Confea

 

Ainda expondo argumentos contra o pregão, o presidente listou as problemáticas decorrentes desse tipo de contrato. “Estamos há quase 20 anos discutindo esta questão e nos manisfestando contra o pregão para contração de obras e serviços de engenharia, pois essa modalidade não preserva a importância e a complexidade do trabalho intelectual e o trabalho das empresas. Os lances sucessivos são nocivos ao bom exercício das profissões da engenharia, ao interesse da administração pública e para a sociedade. Além disso, a utilização indiscriminada do pregão pode ocasionar problemas como obras abandonadas, falta de cumprimento de padrões de qualidade e redução de investimentos em segurança do empreendimento, bem como dos trabalhadores”.

Na prática, segundo Krüger, há casos de 93% de desconto no valor orçado para a obra. Isso porque o pregão permite o mergulho de preços. “Não é razoável porque não há margem para tanto desconto”, sustentou exemplificando que, de acordo com dados da Anetrans, 122 licitações de serviços técnicos especializados de engenharia consultiva realizadas por pregão pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), entre 2017 e 2018, tiveram deságio de 49%. “O desconto é bem-vindo, mas precisa ter uma razoabilidade e ter uma lógica comercial que permita a viabilidade da execução da obra. Se todas essas obras foram executadas com qualidade, não há problemas em ter o desconto, mas o que a gente normalmente verifica é que o resultado não é entregue com qualidade”. 

Situações como essa, em geral, resultam em obras inacabadas, outra preocupação do Sistema Confea/Crea. “Obra ou serviço de engenharia paralisado é tão danoso quanto a corrupção, pois a obra parada consome muito dinheiro e acaba não trazendo, no tempo certo, o benefício esperado pela sociedade enquanto seu objeto não for entregue”, alertou Krüger.

Ao final, o presidente solicitou ao tribunal que leve em consideração todos os argumentos técnicos expostos pelo Confea e reveja a Súmula 257/2010, do TCU, que diz que o uso de pregão nas contratações de serviços comuns de engenharia encontra amparo na Lei do Pregão, 10.520/2002. “Esse é o nosso pedido”, reforçou. 

Confira a palestra do presidente Joel Krüger

Sobre isso, o coordenador-geral de Controle Externo de Infraestrutura do TCU, Nicola Espinheira Khoury, que é engenheiro civil e já foi conselheiro do Crea-BA, explicou que a súmula em questão garante ritos céleres, com maior transparência e mais vantagem para a administração na contratação de bens e serviços. “O que podemos fazer é trabalhar para melhorar o instituto legal, melhorando as exigências técnicas, melhorando a tentativa de que a empresa entregue com qualidade. Má qualidade da execução não é um privilégio do pregão em si. A Lei 8666/1993 e a Lei do RDC não são sucesso absoluto”.

“O que podemos fazer é melhorar o instituto legal [o pregão], melhorando as exigências técnicas”, sugeriu Nicola Khoury

Khoury mencionou o Acórdão 980/2018, do Plenário do TCU, que diz ser “irregular o uso da modalidade pregão para licitação de obra, sendo permitido nas contratações de serviços comuns de engenharia”.

A solução para a demanda do Confea, segundo o coordenador, talvez seja a Nova Lei de Licitações que tramita no Congresso Nacional. “O parágrafo único do art. 28 do substitutivo ao PL 1292/1995 diz que o pregão não se aplica às contratações de serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual e de obras e serviços de engenharia e arquitetura”, citou. 

Veja a apresentação do coordenador do TCU Nicola Khoury

Khoury e Krüger debateram a aplicabilidade do pregão

Contratação integrada
Ainda durante a programação, o doutorando em Direito Henrique Savonitti Miranda apresentou ao público seu artigo acerca do regime de contratação integrada, introduzido no ordenamento jurídico brasileiro como Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC), por meio da Lei 12.462/2011. Essa modalidade, de acordo com o § 1º do art. 9º da legislação, compreende a elaboração e o desenvolvimento dos projetos básico e executivo, a execução de obras e serviços de engenharia, a montagem, a realização de testes, a pré-operação e todas as demais operações necessárias e suficientes para a entrega final do objeto.

O estudo “Contratação integrada: o Brasil na contramão da história?”, publicado pelo advogado na revista da Universidade de São Paulo, analisa as características do RDC e aponta seus principais problemas, principalmente no que diz respeito às restrições a celebração de aditivos contratuais. Toda a pesquisa foi desenvolvida à luz da legislação europeia (italiana, francesa e portuguesa) e estadunidense apontando as principais diferenças entre os modelos.

Advogado Henrique Savonitti apresentou seu estudo “Contratação integrada: o Brasil na contramão da história?”

 

“A contratação integrada, nos moldes como concebida no direito brasileiro, não encontra respaldo nas melhores práticas internacionais. Isso porque os países que a adotam estabelecem critérios e procedimentos bastante rígidos para a sua utilização e a escolha das empresas de engenharia e arquitetura ocorre sempre com base em sua competência, qualificação e experiência, e jamais pelo preço”, comentou o especialista em Direito Administrativo e Gestão Pública, ponderando que no Brasil o RDC também é rigoroso, levando em conta os requisitos do art. 9º da  Lei n° 12.462/2011 e os critérios de competitividade, prazo, preço e qualidade impostos pelo Acórdão 1.338/2016, do Plenário do TCU. Mas, segundo ele, os modelos internacionais são ainda mais severos que o brasileiro. 

Na Itália, por exemplo, há valorização da fase de projeto, promovendo-se a qualidade arquitetônica e técnico-funcional, inclusive mediante a adoção dos concursos de projetos e utilização progressiva de métodos e instrumentos eletrônicos específicos. Já nos Estados Unidos, é feita a observância do conjunto de habilidades dos licitantes, alocação e gestão de riscos, índices de desempenho, alterações do projeto, gestão e fiscalização do contrato, garantias de qualidade e segurança. 

Sobre pregão, Savonitti comentou que a possibilidade de inversão da fase de julgamento de propostas com a de habilitação – característica elogiada por alguns – é realizada de outro modo na Itália e França, onde se habilita primeiro e julga depois. No primeiro caso, de acordo com o palestrante, a ênfase é dada ao preço. “Na União Europeia não se fala mais em menor preço, é uma medida absolutamente excepcional. Desde 2016, se substituiu o menor preço pelo conceito de proposta economicamente mais vantajosa, que leva em conta o preço, mas também fatores técnicos, ambientais, de projeto e de durabilidade”.

Conheça as informações apresentadas pelo advogado Henrique Savonitti

Casos de contratação integrada
Exemplos de problemas em contratação integrada foram apontados pelo secretário de Fiscalização de Infraestrutura Rodoviária e de Aviação do TCU, eng. fort. Luiz Fernando Ururahy de Souza. 

Secretário de Fiscalização de Infraestrutura Rodoviária e de Aviação do TCU listou exemplos de contratação integrada

A BR-381/MG apresentou requisitos inferiores aos do anteprojeto na fase de elaboração do projeto. “Cruzamentos em níveis diferentes foram substituídos por rotatórias e o projeto era mais sinuoso, com curvas mais perigosas e mais fechadas”, relatou, citando acórdão do TCU de 2014 que apontava essas falhas. Já a BR-415/BA teve anteprojeto com soluções impróprias e antieconômicas. “Havia previsão de tubulões a ar comprimido em locais sem presença de água, por exemplo”.

Por outro lado, a construção da ponte do Rio Guaíba (RS) foi bem encaminhada dentro da modalidade contratação integrada, segundo relato do secretário. “Ela trouxe uma solução diferente que atende ao espírito do regime, que é a inovação. Por exemplo, toda ponte foi pré-moldada no canteiro”, encerrou a exposição. 

Acesse o arquivo apresentado pelo secretário Luiz Fernando Ururahy

Após cada bloco de palestras, Krüger e Khouri e posteriormente Ururahy e Savonitti responderam questões levantadas pelos participantes.

 

Julianna Curado
Equipe de Comunicação do Confea
Fotos: Marck Castro/Confea